GT Direitos Humanos: Relações entre raça, gênero e classe nos movimentos sindicais e sociais é tema do primeiro dia do encontro

Publicado em 30 de novembro de 2017 às 20h31min

Tag(s): Direitos Humanos PROIFES



"Consideramos essa temática como parte da luta de uma Federação que agrega vários sindicatos de professores e professoras e que - para além das questões de carreira, salário e vida acadêmica - se importa com pessoas”, foi com essa afirmativa que a vice-presidente do ADURN-Sindicato, Gilka Pimentel, abriu o I Encontro Nacional do GT Direitos Humanos: raça/etnicidades, gênero e sexualidades do PROIFES-Federação. O evento, sediado pela Apub Sindicato,  acontece nestas quinta (30) e sexta-feira (01), no auditório do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

A importância da discussão do tema, especialmente na atual conjuntura do país, deu o tom às falas da mesa de abertura do evento, que também contou com o coordenador nacional do GT, Eduardo Oliveira (ADUFRGS Sindical), a coordenadora do GT local e diretora da Apub, Leopoldina Menezes, a representante do Grupo Tortura Nunca Mais, Ana Maria Guedes, a representante do Coletivo baiano da luta antimanicomial Laís Chagas e a presidente da Apub, Luciene Fernandes.

Idealizado a partir de uma demanda levantada pelos docentes durante os Encontros Nacionais do PROIFES-Federação, o Grupo de Trabalho tem construído, nos últimos dois anos, o debate sobre as políticas da Federação para os Direitos Humanos. Na Bahia, a Apub organiza uma seção local do GT: “nossa primeira atividade foi na ocupação dos estudantes na reitoria aqui da UFBA”, lembrou a presidenta da Entidade, Luciene Fernandes, durante a mesa de abertura. A dirigente também ressaltou a participação ativa da Apub nas reuniões nacionais do GT e a necessidade de se discutir essas temáticas, “que são estruturantes do momento em que vivemos hoje. Precisamos nos articular e continuar avançando na luta”. No Rio Grande do Norte, a criação do GT local está sendo articulada e o grupo de trabalho deve ser lançado no primeiro semestre de 2018.

Para o coordenador do GT nacional, Eduardo Oliveira, “A expectativa é que, à medida que nós temos todas as principais pessoas que discutem esses temas nos sindicatos da Federação reunidas no mesmo lugar, se produza um direcionamento que vá até as nossas bases e que cada vez mais fortaleça a discussão de gênero, da sexualidade e da questão racial nas nossas universidades e institutos federais”.

“Estamos aqui para dar voz aos invisibilizados, as mulheres que sofrem violência diária e são assassinadas, as mulheres negras, pela violência amplificada, pelos travestis, e pessoas trans agredidas, mortas e aviltadas no seu direito de ser o que quiser ser”, destacou Gilka Pimentel.

A desconstrução das conquistas sociais torna a discussão sobre direitos humanos ainda mais urgente na opinião de Ana Maria Guedes, que expressou sua preocupação com a rapidez com que o governo pós-golpe conseguiu destruir conquistas históricas dos trabalhadores: “não é a ditadura militar, mas uma outra forma de repressão”, disse.

Após a mesa de abertura, as convidadas Lúcia Helena Rincon, coordenadora da União Brasileira de Mulheres e primeira secretária de assuntos para mulheres da Contee; Vera Lúcia Soares, integrante do projeto USP Mulher e pesquisadora de gênero e políticas públicas para mulheres; e a professora do Instituto Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora do Projeto Transenem, Liliane Madruga, conduziram a mesa: “Gênero, Raça e Etnicidade no espaço sindical e movimentos sociais”.

Lúcia Helena trouxe uma série de dados a respeito da inserção das mulheres no mercado de trabalho e da persistência das desigualdades salariais e de condições, especialmente entre as mulheres negras. Segundo ela, as mulheres negras recebem cerca de 52% dos rendimentos de um homem branco. Entre as mulheres em geral, essa estatística é de 25%. Destacou que a formação da sociedade de classes e a divisão sexual do trabalho construíram uma destinação específica para as mulheres: o espaço doméstico. “Sociedade de classes e patriarcado se articulam para garantir a sustentação da desigualdade”, disse.

Ao tratar do momento político que o Brasil atravessa, ela afirmou que as duas tarefas fundamentais são a defesa da democracia, como valor fundamental para o avanço da sociedade e dos direitos das mulheres e a interrupção da onda conservadora. Nesse sentido, ela resgatou o histórico da participação das mulheres no Movimento Sindical e como as pautas feministas foram, aos poucos, se incorporando às  sindicais – reivindicações por creches, licença maternidade, pelo fim do assédio moral e sexual, entre outras, precisaram ser integradas às negociações coletivas. Desse modo, as lutas feministas e antirracistas se articulam necessariamente à luta contra a desigualdade: “a opressão de classes interliga-se à opressão de gênero e raça. Não é possível discutir uma sem as outras”.

Em sua fala, Vera Lúcia Soares propôs uma reflexão sobre como a sociedade chegou aos níveis atuais de intolerância. Citou o caso das ameaças ao Neim/UFBA e suas docentes e a agressão à filósofa Judith Butler em sua última visita ao Brasil. Lembrou que o país viveu a maior parte de sua história sob um regime escravocrata e como essa herança ainda perpassa a nossa cultura; concomitantemente, as relações de gênero também definem as posições sociais, reservando os espaços de poder e influência aos homens brancos. Essa análise da sociedade é uma das contribuições do movimento feminista: “o feminismo é necessariamente antinaturalista, não acredita nas construções como naturais, mas sim como eventos sociais”. Ainda segundo a palestrante, a situação de golpe enfrentada pelo país não teve motivos exclusivamente econômicos, mas “também é dirigido às mulheres, às pessoas LGBTT, negros, indígenas e demais parcelas da sociedade que nos últimos anos conquistaram direitos e voz no Brasil”. Outro assunto abordado na palestra foi o “Escola Sem Partido”, cujo um dos objetivos é limitar o debate sobre gênero nas escolas. Vera afirmou que se trata de um projeto que se utiliza da desinformação para tentar impor uma falsa ideia de neutralidade.

O projeto Transenem e seu papel da inclusão e formação das pessoas transexuais foi o centro da palestra da professora Liliane Madruga. Foi um trabalho fruto, incialmente, do debate sobre a questão da transexualidade no instituto. Após isso, houve acolhimento da população trans: “o objetivo do Transenem não é apenas preparar para a prova e sim o acolhimento pedagógico e social dessa parcela da população que não é socialmente aceita”, explicou. O projeto também oferece capacitação profissional. Liliane também fez críticas à conhecida expressão “ideologia de gênero”, utilizada para inviabilizar o debate e afirmou que é preciso desconstruir esse discurso apontando o que significa discutir gênero e sexualidades: “a discussão de gênero não é ideológica e sim de relações sociais, pois as diferenças ideológicas não podem justificar a desigualdade”.

Após a apresentação da mesa, durante as intervenções, o professor Alex Reinecke, da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA/UFRN), destacou a legitimidade do debate e levantou uma reflexão acerca da dificuldade que os sindicatos ainda têm para trazer as questões relacionadas a temática do evento para serem discutidas. “É interessante como a gente tem quase que pedir desculpa para fazer uma discussão sobre Direitos Humanos, gênero... Temos que criar uma dupla justificação como se esse debate não fosse legítimo. A opressão também faz parte da luta de classes! Evidente que essas lutas, a partir de bandeiras específicas, também precisam pensar no conjunto da luta social e é por isso que é muito válido um momento como este aqui”, afirmou.

Ao fim das discussões, os/as presentes seguiram para uma confraternização na sede da Apub, onde ocorreu apresentação da cantora Aline Lobo. O Encontro continua amanhã, a partir das 09h.

 

*Com informações da APUB

ADURN Sindicato
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