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Nota do Departamento de Filosofia da UFRN contra a MP 746

Publicado em 22 de novembro de 2016 às 12h08min

Corria o ano de 1968, em plena vigência da ditadura militar que se instaurou no Brasil em 1964, quando foram implementados no Brasil os acordos MEC/USAID, estabelecidos entre o Ministério de Educação e Cultura do Brasil (MEC) e a agência governamental americana United States Agency for International Development (USAID), com o objetivo de reformar o ensino brasileiro. Em 1971 a Filosofia foi banida dos currículos do ensino médio tendo sido substituída ainda em 1969, junto com a sociologia, por uma matéria denominada Educação Moral e Cívica e outra denominada Organização Social e Politica Brasileira (OSPB), que nada mais eram do que disciplinas que disseminavam a ideologia da ditadura de então. A retirada da filosofia e da sociologia do currículo do ensino médio, e consequentemente da formação dos nossos jovens, foi um dos tantos resultados perversos deste acordo e da ditadura que se perpetuou em nosso país por 21 anos.

Enquanto muitos dos intelectuais e políticos brasileiros que foram cassados e exilados do País retornaram ao Brasil com a Lei da Anistia em 1979 a cassação da filosofia durou um pouco mais e apenas em 2008 seu ensino voltou a ser obrigatório com a aprovação da lei 11.684. Hoje, no entanto - com a recentíssima MP 746 proposta pelo atual Governo Federal e que pela redação do texto entrou em vigor na data de sua publicação, em 22 de setembro de 2016, sem absolutamente nenhuma discussão na comunidade acadêmica brasileira - a filosofia deixa novamente de ser obrigatória, provocando um retrocesso educacional perigosíssimo que, alertamos aqui, afetará gravemente a formação dos jovens em nosso País.

A filosofia significa, filologicamente, o amor à sabedoria, e seu ensino tem, entre outros, a função de estimular o pensamento crítico assim como mostrar quais são as regras do raciocínio correto, através do estudo da Lógica, e do raciocinar para o bem, via o ensino da ética. Aristóteles, um dos grandes filósofos da Grécia Antiga nos diz que a política é uma atividade que tem como objetivo o bem comum, e não a locupletação pessoal. Locke, um dos maiores expoentes do pensamento liberal, nos brinda com lições valiosas sobre a tolerância religiosa e de todos os tipos. Kant, o filósofo dos deveres, nos apresenta uma versão muito mais refinada da chamada regra de ouro, tão esquecida nos dias de hoje, e que nos convida a não fazer aos outros aquilo que não queremos que nos façam, lembrando também que devemos tratar a humanidade sempre como fim e nunca como meio para qualquer outro objetivo. Deleuze nos convida a pensar a diferença e respeitar o diferente. Sartre lembra que estamos condenados a ser livres, mas que junto com a liberdade vem a responsabilidade. Erich Fromm nos ensina que “ser” é sempre muito mais importante do que “ter”. Os grandes filósofos nos ensinam tudo isto e muito mais e acima de tudo mostram o que faz a diferença entre barbárie e civilização, e estando nosso mundo e nosso planeta correndo os riscos que estamos correndo hoje já não podemos nos dar ao luxo de tirar a obrigatoriedade destes ensinamentos.

Não se combate a corrupção sem que se aprenda a importância de viver uma vida Ética . Não conseguimos nos opor ao escárnio autoritário , venha de onde vier, sem distinguir fanfarronice e falácias de argumentos válidos, como se aprende na Lógica. Não alcançaremos a paz se não compreendermos que a ciência e a técnica devem estar sempre a serviço da humanidade e não contra ela, como podemos descobrir estudando Filosofia da Ciência. Não estaremos preparados para combater a banalidade do mal que está nas raízes do fascismo e do nazismo e que destrói de modo imperceptível toda humanidade em nós se não aprendermos as lições da Filosofia Política. E ainda que o sentido da vida sempre nos escape como aprendemos na Metafísica, sabemos que para termos uma vida bela, que é a pretensão Estética maior, é preciso, pelo menos, que tenhamos um compromisso com um projeto de civilização baseado no respeito e na solidariedade entre as pessoas e entre os povos e no compromisso com a preservação da vida em nosso planeta.

A lógica, a ética, a estética, a metafísica, a filosofia politica e a filosofia da ciência são os seis principais troncos da filosofia, e tirar a obrigatoriedade do ensino destes conteúdos que se completam e formam o saber filosófico básico, no ensino médio, é um duro golpe na formação humanista, ética e cognitiva dos nossos jovens e que, advertimos aqui, poderá trazer consequências desastrosas para o País a curto e médio prazo. O Brasil não pode mais suportar a ausência de um ensino médio de qualidade que aliada à falta de infraestrutura das escolas e de valorização dos professores , bem como a insegurança que é uma ameaça constante, vem estrangulando a educação em nosso país, e a retirada da obrigatoriedade da filosofia e de outras disciplinas formativas nos levará ao aguçamento deste processo, ou seja, nos conduzirá, infelizmente e previsivelmente, ao fundo do poço.

É por tudo isto que o Departamento de Filosofia da UFRN vem manifestar sua preocupação e seu repúdio a MP 746, sendo contrário também a previsão da MP de que pessoas de notório saber possam ministrar aulas no nível médio, não havendo mais a necessidade da formação em licenciatura para tal. Nosso receio aqui é que as pessoas classificadas como possuindo notório saber sejam na realidade pessoas com nenhum saber e com notório apadrinhamento e que sejam colocadas nas escolas não para ensinar filosofia ou outras matérias aos nossos jovens mas para conseguir emprego em troca de votos. Neste sentido vimos também pleitear através desta nota que todos aqueles concursados para professor de filosofia no ensino médio que foram aprovados em concursos recentes aqui no Estado do RN e em todo país sejam chamados para assumir seus postos e que não haja nenhuma demissão de licenciados em filosofia na rede de ensino pública e privada do nosso País.

Alertamos a toda a sociedade internacional e nacional, e especialmente aos pais e familiares de alunos do ensino médio ou do ensino fundamental brasileiro que estão prestes a ingressar no ensino médio, que a retirada da obrigatoriedade do ensino de filosofia no ensino médio, se efetivamente implementada, terá um impacto devastador na já tão frágil educação brasileira, e neste sentido pedimos a imediata revogação da MP 746.

Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)


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