Na Trilha da Democracia reúne docentes e estudantes para lançamento do livro Por que a esquerda morreu?, de Jessé Souza

Publicado em 04 de dezembro de 2025 às 14h08min

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O ADURN-Sindicato realizou, nesta terça-feira (03), mais uma edição do projeto Na Trilha da Democracia, reunindo a comunidade acadêmica para o lançamento do novo livro do sociólogo e professor Jessé Souza, “Por que a esquerda morreu?”. O evento, realizado no auditório Otto Brito de Guerra, localizado na reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), promoveu um debate público sobre democracia, neoliberalismo e disputa de narrativas no Brasil contemporâneo.

A mesa de abertura foi composta pela vice-presidenta do ADURN-Sindicato, Isaura Brandão; Wani Pereira, presidenta da Cooperativa Cultural; Irailson Nunes, presidente da CUT-RN; e Wellington Duarte, presidente do PROIFES-Federação. O presidente do ADURN-Sindicato, Oswaldo Negrão, não esteve presente na atividade devido sua participação na Cúpula Popular do BRICS, no Rio de Janeiro. 

Iniciando as falas da mesa, Irailson Nunes destacou a importância histórica do projeto: “Desde 2016, foi iniciado o projeto Na Trilha da Democracia. Se nós pararmos para refletir, foi o período em que se iniciou todo um processo de tentativa e consolidação de um golpe contra a democracia e contra os direitos sociais. O que coube aos movimentos sociais foi resistir, resistir e lutar!”

Em seguida, Wellington Duarte reforçou o papel do evento em reativar o debate político dentro da universidade. “Quando fizemos esse projeto em 2016, estávamos atravessando um golpe de Estado. Recuperamos a democracia, em parte, mas vivemos hoje uma agonia permanente. Essa intervenção de Jessé aqui pode trazer uma semente da volta do debate crítico dentro da universidade, algo de que sinto profunda falta”, afirmou.

Já Wani Pereira, em sua fala, destacou os longos anos de parceria entre o ADURN-Sindicato e a Cooperativa Cultural, que sempre teve por objetivo promover o debate político, o pensamento crítico e democratico na universidade. A professora finalizou a intervenção com a provocação “resistir é preciso?”. A abertura ainda ganhou um momento de emoção quando Isaura Brandão leu um texto em memória das duas servidoras do CEFET assassinadas recentemente por um colega que não aceitava ser chefiado por mulheres. O texto, publicado no Potiguar Notícias, denunciou a escalada da violência de gênero no Brasil.

No evento, Jessé discutiu os principais argumentos da sua obra e refletiu sobre as raízes do pensamento neoliberal, o papel da mídia na formação da subjetividade brasileira, as disputas culturais e os desafios atuais da esquerda. O autor explicou que o novo livro é uma continuidade de sua obra anterior, A Elite do Atraso, retomando questões debatidas nesse livro na construção do “pobre de direita”: “Eu quis compreender o que foi que a direita fez para conseguir tomar corações e mentes dos pobres. Isso não aconteceu de uma hora para outra, foi montado, construído, financiado com muito dinheiro ao longo de 50 anos”, explicou. 

Durante sua exposição, Jessé enfatizou como a elite econômica e cultural moldou a percepção social no país nas últimas décadas. Segundo ele, a construção da subjetividade neoliberal é parte de um processo global que reorganiza a relação entre trabalho, política e comunicação. “As pessoas acham que são criativas e originais. Você chama agora seu empregado de colaborador, ele não é mais empregado. Então, se ele é colaborador, ele é parte seu, você pode ligar para ele, às onze horas [da noite] e perguntar onde está o arquivo tal”, problematizou. 

Ao abordar os mecanismos que sustentam esse modelo, ele explicou como a imprensa e grandes conglomerados midiáticos foram determinantes para a consolidação dessa nova forma de dominação: “Todos os jornais, televisões, etc., ajudando nessa formação do neoliberalismo e de uma subjetividade neoliberal. E esse é o mundo que se fez.”

Jessé relembrou, ainda, o papel das fundações financiadas por bilionários conservadores desde os anos 1970, que moldaram o senso comum político ao comprar “com muito dinheiro o Departamento de Direito de Harvard, o Departamento de Economia de Yale, etc” e assim “redefinir o direito, redefinir a política, redefinir o que é que se esperava da sociedade”, explicou. 

Lideranças, projeto nacional e disputa cultural

Um dos momentos mais marcantes do debate foi a análise de Jessé sobre o papel das lideranças políticas. Ele afirmou que a esquerda precisa retomar a disputa por ideias em vez de depender exclusivamente de figuras individuais. “A gente tem o maior líder popular que esse país já teve, vivo ainda. Mas ele é um senhor... Os seres humanos têm essa mania de morrerem. Você não pode depender de uma pessoa. Você tem que ter ideias”, defendeu. 

Jessé defendeu que a disputa simbólica foi abandonada pela esquerda, abrindo espaço para que narrativas conservadoras ocupassem o centro da vida pública. Segundo o sociólogo, “se você não discute ideias que são dominantes, você é engolido pelo seu inimigo. Não existe nenhuma outra possibilidade”. 

Racismo, desigualdade e a fabricação da raiva social

Ao abordar questões raciais e desigualdades regionais, Jessé reforçou como certos grupos se tornam alvos preferenciais de manipulações políticas. Segunfo ele, existem “segmentos sociais que foram montados para serem odiados”, como por exemplo,  “mulheres, homossexuais, negros e pobres em geral.” Ele relatou resultados de sua pesquisa com homens brancos pobres do Sul e Sudeste e como essas pessoas se sentem “europeus numa África. Se sentem belgas no Congo.”

O autor explica como o ressentimento social tem sido manipulado pela extrema direita: “Esse branco pobre do Sul e de São Paulo se identifica do mesmo modo com o Bolsonaro. Ele tem raiva, porque está sendo humilhado, empobrecido. É uma raiva que tem dois caminhos: ou põe contra ele mesmo, caindo no álcool e depressão, ou manipula essa raiva contra mulheres, homossexuais, negros, pobres.”

De acordo com Jessé, para esses homens se verem “livres dessa raiva”, eles direcionam o ódio para outros grupos. E por conta disso eles se identificam com o Bolsonaro. “Porque veem alguém como eles. Que odeia mulher, que odeia gay, que odeia preto, pobre e nordestino”, explica. 

Encerrando sua participação, Jessé reforçou que seu novo livro não é uma crítica moralista, mas um convite à reflexão sobre a responsabilidade da esquerda na disputa de ideias.

Importância do debate público

A atividade reforçou o compromisso do ADURN-Sindicato com a defesa da democracia, do pensamento crítico e do fortalecimento da universidade pública como espaço de reflexão sobre o Brasil. O público participou ativamente, com intervenções que ampliaram o debate sobre educação, mídia, desigualdade e o futuro da esquerda no país.

A palestra de Jessé Souza no projeto Na Trilha da Democracia está disponível no canal do YouTube do ADURN-Sindicato. Veja aqui.

ADURN Sindicato
84 3211 9236 [email protected]