Da universidade à escola

Publicado em 01 de março de 2013 às 09h38min

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 Acriação de um banco de dados de problemas enfrentados pelas escolas públicas da rede de ensino, passíveis de serem enfrentados em projetos conjuntos com universidades. Oficinas sobre ensino de geometria dinâmica apresentadas num congresso internacional na Coreia do Sul. Professores de escolas públicas que, prestes a se aposentar, voltam a apostar em sua carreira e buscam especialização. Alunos do ensino médio que têm despertado o interesse por cursos de licenciatura.

Tais experiências práticas, aparentemente desconexas e disseminadas em diferentes redes públicas de ensino pelo Brasil, começam a compor um mosaico de valorização do magistério. O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), funciona com a concessão de bolsas para alunos de cursos de licenciatura, professores da Educação Básica e coordenadores nas universidades, para que desenvolvam projetos de iniciação à docência no cerne das escolas públicas, com a integração de teoria e prática, universidade e escolas.

O programa vem aumentando significativamente seu alcance. O primeiro edital foi realizado em 2007 e o programa teve início efetivo em 2009, quando foram concedidas 3.088 bolsas - número que hoje chega a 49,2 mil. As instituições de ensino superior que aderiram ao Pibid foram de 43, em 2009, para 196 em 2012, enquanto as escolas públicas envolvidas passaram de 266 para 4.160, no mesmo período. Os recursos também foram ampliados e passaram de cerca de R$ 20 milhões, há três anos, para R$ 138 milhões em 2011.

Segundo relatório institucional da própria Capes, "esses três anos demonstram um crescimento do Pibid que, no bem-sucedido Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica, só foi alcançado em 20 anos".

Dentre as instituições de ensino superior participantes em 2011, 31% estão localizadas no Nordeste, 29% no Sudeste, 22% no Sul, 12% no Norte e 6% no Centro-Oeste.

A diretora de Formação de Professores da Educação Básica na Capes, Carmen Moreira de Castro Neves, destaca o impacto do Pibid na realização de seus objetivos num curto período de existência. "Trata-se da formação de professores referenciada no trabalho na escola e na vivência de casos concretos, combinando teoria e prática, aproximando instituições de ensino superior e escolas públicas", resume.

Pelo Pibid, as escolas públicas da Educação Básica recebem projetos elaborados na universidade, a partir de um levantamento das demandas escolares, em diferentes disciplinas. Os estudantes universitários, diferentemente dos tradicionais estagiários, não se restringem a observar ou substituir professores, mas vivenciam experiências de sala de aula, com professores da própria escola como supervisores de seu trabalho.

"O programa promove um diálogo entre o aluno de licenciatura, os docentes das universidades e os supervisores do Pibid, que são os professores das escolas públicas. Nesse diálogo há crescimento de todos", afirma Carmen. O estímulo se refletiu, ainda, no estímulo aos docentes das escolas participantes. "Temos vários relatos de professores que desistiram de se aposentar após o contato com o programa ou decidiram investir na pós-graduação."

Além dos benefícios do ponto de vista da formação de professores e valorização do magistério, o Pibid vem contribuindo para a formação continuada dos docentes das escolas públicas. "Ao participarem e discutirem projetos, estabelecerem novas dinâmicas pedagógicas e metodológicas, novas tecnologias e o uso de laboratórios, esses professores acabam passando por um processo de formação continuada concreto e muito rico. Mais que o de um cursinho de 40 horas que eles possam fazer", explica Carmen.

Para a coordenadora institucional do Pibid na Universidade Federal do Piauí (UFPI), Antonia Dalva França de Carvalho, os trabalhos realizados no âmbito do projeto agregam capital cultural e favorecem o conhecimento, da escola e da sociedade. "Estamos formando professores críticos, reflexivos, cidadãos, solidários e sensíveis às causas sociais", acredita. Outro fator a considerar é o capital financeiro proporcionado pelo Pibid. "Só em bolsas a Capes investe cerca de R$ 6 milhões por ano na economia piauiense. Em nosso estado, é um valor muito significativo."

Qualidade e interesse
Entusiasta da iniciativa, Antonia considera que o Pibid contribuiu para qualificar melhor os futuros professores e, por outro lado, aumentar a qualidade de ensino das redes públicas, favorecendo aprendizagens significativas. "Registramos diminuição na taxa de reprovação nas escolas conveniadas, de 2,5% a 3%", diz.

Com 55 estudantes de licenciaturas beneficiados no primeiro edital, executado em 2009, a UFPI conta atualmente com mil bolsas do Pibid, em todas as áreas do conhecimento. São 35 escolas públicas conveniadas, o que alcança cerca de 11 mil alunos da Educação Básica.

A expansão no número de bolsistas reflete o impulso que o programa proporcionou às carreiras de licenciatura. Segundo ela, a presença dos estudantes de graduação nas escolas, com projetos organizados, inspirou muitos alunos a prestar o vestibular. "Ao final do primeiro ano do Pibid nas escolas de ensino médio do Piauí, 20% dos estudantes que realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram aprovados em universidades públicas", diz Antonia. Os bolsistas, inclusive, ajudaram esses alunos a se preparar para o exame. "E há casos de alunos que estudaram em escolas com projetos do Pibid e que, ao passarem à universidade, tornaram-se pibidianos."

Estímulo científico
Na universidade, o Pibid estimula também a produção de conhecimento. "Segundo dados da última reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a presença de trabalhos científicos realizados por bolsistas do Pibid tornou-se muito significativa", afirma Carmen, da Capes.

O destaque não é apenas quantitativo. Em Minas Gerais, por exemplo, alunos bolsistas da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) foram selecionados para participar do 12º Congresso Internacional de Educação Matemática (ICME, na sigla em inglês), realizado em julho na Coreia do Sul.

"Nossos bolsistas desenvolveram sete oficinas e apresentaram quatro relatos de experiências das ações, em geometria dinâmica, desenvolvidas nas escolas da Educação Básica participantes do Pibid Unimontes", conta a coordenadora institucional do programa na instituição, a professora Silvana Diamantino França.

O projeto Geometria Dinâmica foi implantado na Escola Municipal Jair de Oliveira em 2010 porque a unidade dispunha de laboratório de informática, para aplicação das aulas com uso dos softwares Geogebra e Cabri Géomètre no ensino matemático. "Os acadêmicos vieram conhecer a escola, mostramos a dinâmica das aulas e tivemos reuniões sobre como o programa iria funcionar", conta a professora Kelsilene Durães Saraiva Soares, uma das supervisoras do Pibid na escola.

"Com o desenrolar das aulas de geometria no laboratório de informática, com os softwares, fomos percebendo que não dava para ficar só neste ramo da matemática. Tivemos de entrar com outros conteúdos", relata. As aulas e os materiais eram preparados pelas professoras junto com os universitários envolvidos.

"Sou professora de 8ºs e 9ºs anos do ensino fundamental, mas decidimos ampliar o projeto para 6ºs e 7ºs anos. Negociamos com as docentes dessas classes e realizamos as aulas no laboratório", explica Kelsilene.

Ao longo da realização do projeto foi possível identificar e atender dificuldades de aprendizagens particulares que iam aparecendo. "Os acadêmicos acabaram criando jogos voltados a nossa realidade, para trabalhar necessidades de nossos alunos", conta a supervisora. Em sua prática docente, ela incorporou recursos diferenciados, como jogos e uso da tecnologia. "Eu até poderia fazer essas coisas, mas o Pibid foi um forte incentivo", diz. Principalmente pela familiaridade dos jovens com a informática, que foi transmitida aos professores experientes.

O projeto, coordenado na universidade pela professora Maria Rachel Alves, foi expandido. "Capacitamos os professores da rede municipal de Montes Claros para o uso de um software de ensino de geometria dinâmica", conta Silvana. Ela calcula que a Unimontes está há 27 meses participando do programa. "Na primeira edição foram 195 bolsistas. Hoje temos 976 em 56 escolas públicas."

A Unimontes organizou ainda um material voltado para as redes de ensino. "Fizemos um banco de dados com indicadores de problemas enfrentados pelas escolas. Essa compilação se tornou subsídio teórico e pratico para nossas ações. A partir disso, elaboramos recursos didático-pedagógicos, otimizamos a infraestrutura de escolas e bibliotecas", diz Silvana.

Desafios
As unidades interessadas em receber bolsistas estão passando a procurar as universidades com mais intensidade. "Há uma demanda muito grande e não conseguimos atender a todos. Espero que o Pibid se transforme em algo mais permanente e que seja expandido", diz Antonia, da UFPI. Sua aspiração representa, na prática, um dos desafios que o programa enfrenta. "A expectativa em 2014 é chegar a 100 mil bolsistas em todo o país. É um desafio porque a equipe da Capes é pequena. Estamos aperfeiçoando nossos processos de controle, de interlocução com as instituições. O crescimento exige uma melhor informatização, para simplificarmos procedimentos, o repasse de recursos e a prestação de contas", ressalta Carmen.

O professor Luiz Carlos de Menezes, da Universidade de São Paulo, defende que o Pibid seja institucionalizado e ampliado, com envolvimento regular das escolas na formação inicial e continuada de professores. "Isso implicaria uma carreira estruturada para o professor da escola regular em termos de funções diferenciadas, com um plano de progresso funcional e salarial", afirma.

Ainda recente, o Pibid parece atacar alguns pontos cruciais para a educação pública: qualidade, formação docente e valorização do magistério. Resta saber qual será seu alcance em longo prazo.

Fonte: Uol Educação

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