Inimigos da autonomia, extremistas atacam Paulo Freire por ter medo dele

Publicado em 22 de setembro de 2021 às 09h41min

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Patrono da Educação brasileira, Paulo Freire estaria completando cem anos em setembro de 2021, o que gerou uma torrente de homenagens e celebrações no Brasil e em diversas partes do mundo. Seu legado só não é valorizado e respeitado pelas mesquinhas elites brasileiras, pelo Governo Federal e por suas milícias digitais que, em sua guerra cultural para manter as pessoas afastadas da realidade, insistem em ‘demonizar’ as ideias do pensador.  

Aqueles que verdadeiramente tentam conhecer sua obra descobrem que Paulo Freire desenvolveu, a partir dos anos 1960, uma metodologia de ensino que ainda é responsável pela alfabetização bem-sucedida de milhões de crianças e adultos ao redor do planeta, além de influenciar desenvolvimentos e inovações práticas e teóricas no Brasil e no mundo.

Além disso, foi o criador e divulgador de uma pedagogia baseada na liberdade e no diálogo, na construção coletiva do conhecimento e no respeito ao saber dos educandos, o que lhe rendeu reconhecimento incontestável. Foi homenageado com 41 títulos de Doutor Honoris Causa em instituições como Harvard, Cambridge e Oxford, além de ter recebido inúmeras premiações, como o Prêmio Unesco da Educação para a Paz, e de ter sido indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

Eleger Paulo Freire como inimigo serve para Bolsonaro manter sua base agitada e fugir de suas responsabilidades pela piora dos índices na Educação.

Um de dos livros mais famosos de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, publicado em 1968, é a terceira obra mais citada entre todos os trabalhos acadêmicos na área de humanidades no mundo inteiro e já vendeu mais de um milhão de exemplares. Há centros de estudo com seu nome na África do Sul, Áustria, Alemanha, Finlândia, Holanda, Inglaterra, Portugal, Canadá e Estados Unidos.

Por ser um pensador que propôs a valorização da autonomia e da construção democrática do saber, Paulo Freire desagrada os setores extremistas, inclusive a vertente bolsonarista, construída com base na falta de diálogo, da violência e do autoritarismo.

Além disso, elegê-lo como inimigo, assim como os extremistas fazem ao se referir à China (principal parceiro comercial do Brasil), vacinas, paranoias infantis sobre comunismo ou qualquer coisa que mantenha as redes sociais agitadas com conspirações, serve para que Bolsonaro fuja de suas responsabilidades pela piora em diversos índices na Educação e de praticamente todos os demais índices do país.

Autonomia x autoritarismo

A pedagogia de Paulo Freire defende a autonomia e a construção coletiva do saber, ao valorizar e respeitar a capacidade dos indivíduos aprenderem e ensinarem constantemente, podendo assim serem responsáveis pelas suas próprias decisões.

É muito diferente da chamada educação “bancária”, que apenas transmite conteúdos de forma hierarquizada e exige que sejam memorizados sem reflexão.

Por sinal, a falta de reflexão é uma das bases do extremismo. É por isso que os eles também defendem a ideia de que o papel do professor seria meramente o de transmissor conteúdos previamente produzidos e aprovados pelas ‘autoridades’, depois de passarem por filtros e censuras.

A pedagogia de Freire é pautada no diálogo e no respeito às condições de vida e aos desejos dos educandos, com autonomia para pensar, formular e produzir conhecimento.

Enquanto Paulo Freire estimulava a autonomia para pensar, visando a construção de uma sociedade com esperança e alegria, o extremismo (especialmente da vertente bolsonarista) estimula o medo e deseja construir um mundo onde prevaleça sua visão única sobre qualquer assunto.

Extremistas também odeiam pessoas que se expressam diferente deles. Aqueles que formulam as ideias extremistas e espalham teorias conspiratórias e paranoias sabem que as pessoas, ‘naturalmente’, não seriam propensas a acreditar nelas. Por isso, criam meios para que seus seguidores repitam as expressões de seus líderes (e até seu slogan) sem reflexão, quase como um mantra (técnica de repetição que ajuda a ‘esvaziar a mente’).

É por isso que esses ‘líderes’ adotam apelidos que facilitam a repetição:

– Adolph Hitler, na verdade, era austríaco e se chamava Alois Schicklgruber. Como sabia que a pronúncia era difícil de ser repetida, aos 40 anos adotou o sobrenome do padrasto, Hiedler, adaptando-o para uma pronúncia mais facilitada: Hitler (sobrenome com 2 sílabas).  Repetir ‘Heil, Hitler’ (que significa ‘Salve, Hitler’) é muito mais fácil do que seria repetir ‘Heil, Shicklgruber’.

– O ditador espanhol Franco teve mais facilidade, já que seus seguidores só precisavam gritar Fran-co (também duas sílabas).

– Já o italiano Benito Mussolini percebeu que as pessoas teriam dificuldades com as quatro sílabas de seu sobrenome e deu a si mesmo a alcunha de “Dulce” (que significa líder e também só tem duas sílabas)

– E aqui no Brasil temos Jair Bolsonaro, cujo sobrenome tem quatro sílabas, mas cunhou, junto com sua equipe de marketing, o termo ‘mito’ que, assim como o de seus pares de outros países citadores anteriormente, tem apenas duas sílabas (mi-to) que podem ser facilmente repetidas à exaustão sem reflexão.

Estimular a repetição sem reflexão é parte dessa estratégia criada por extremistas para manter sua base coesa, afinal, muitas pessoas, ao terem contato mais frequente com outras formas de pensamento, passam a abandonar ideias extremistas e radicais.

Afeto x falta de empatia

Uma proposta de Paulo Freire, chamada de ‘pedagogia do afeto’, se baseava na ideia de que o professor deveria ser sensível à situação de cada aluno, especialmente quanto às suas dificuldades, mazelas e sofrimentos. O conhecimento seria construído coletivamente a partir dessas trocas, sempre com muita empatia. Com isso, o estudante descobriria mais sobre sua própria identidade (a partir de sua autonomia) e ficaria mais interessado e criativo.

Só que o extremismo se sustenta no ódio. E o ódio é o oposto ao afeto. É por isso que o presidente Jair Bolsonaro e aqueles que o sustentam demonstram absolutamente falta de empatia pelas pessoas e pelo sofrimento alheio. O episódio em que falou que aqueles que estão lamentando as centenas de milhares de mortes por Covid-19 deviam parar de “mimimi” foi o maior exemplo disso.

Segundo a perspectiva de Hare e Neumann (2008), a psicopatia apresenta quatro dimensões subjacentes, sendo que a interpessoal está relacionada com superficialidade, manipulação, autoestima exagerada e mentira patológica. Já a afetiva indica ausência de remorso, afeto superficial, falta de empatia e falta de autorresponsabilização pelos próprios atos. Todas essas características podem ser identificadas nas falas, no comportamento e nas medidas impostas por Jair Bolsonaro.

São ideias e ideais que ele dissemina para seus seguidores e daí surgem as defesas da militarização e da hierarquia nas relações, que culminam no autoritarismo e na violência como solução para conflitos. O desprezo pelo conhecimento, pela ciência e pela educação libertadora, encarados como inimigos a serem combatidos sem trégua, são marcas dessa estratégia.

Via de regra, o extremista que desconhece a empatia se incomoda com as pessoas que demonstram empatia. É por isso que atacam artistas, escritores, jornalistas, professores, cientistas, pesquisadores, ambientalistas, músicos e qualquer pessoa que demonstre empatia pelo outro.

Elites espalham ódio, mas pagam caro para que seus filhos tenham educação freiriana

As elites brasileiras, consideradas uma das mais mesquinhas e egoístas do mundo, espalham ódio contra Paulo Freire porque se empenham em frear qualquer possibilidade de mudança estrutural na sociedade.

Como eles priorizam a manutenção de seus privilégios, riqueza e poder (aceitando, inclusive, as barbáries e mortes causadas pelo governo extremista), as propostas freirianas que estimulam a conscientização das pessoas, especialmente das camadas mais fragilizadas (chamadas de oprimidos), são uma “ameaça”, afinal, pessoas que podem pensar com autonomia começam a refletir sobre a realidade e, com isso, começar a reivindicar direitos e mudanças.

Em uma aula de alfabetização de jovens e adultos que vivem em uma comunidade comandada pelo agronegócio, por exemplo, um simples debate sobre algo do cotidiano, como a alimentação do dia a dia, pode gerar avanços na conscientização a partir de perguntas como: “quem ganha com a produção de alimento?”, “quem lucra sobre o trabalho das pessoas?, “por que algumas pessoas não têm acesso a alimentação várias vezes ao dia?”, “por que algumas pessoas estão trabalhando sem direitos?”, “quais os direitos que elas teriam?”.

Para quem deseja manter esse ciclo de superexploração, esse debate realmente representa uma ‘ameaça’, afinal, a partir dessas reflexões os trabalhadores passam a cobrar mudanças, melhorias nas condições de trabalho e acesso a direitos humanos e trabalhistas que estavam sendo negligenciados. Isso vai reduzir o lucro de quem explora essa situação.

 Mas sabe o que é mais curioso? É que essas mesmas elites que demonizam Paulo Freire gastam fortunas em mensalidades de escolas privadas que aplicam o método freiriano de construção coletiva do conhecimento em sala de aula, com menos hierarquização na relação entre professores e alunos, com muita conversa – inclusive sobre questões do dia a dia, com interações lúdicas ou vivências práticas que permitem posteriormente uma avaliação sobre os resultados, sucessos e insucessos, em rodas de conversa em ambientes menos rígidos. 

E sabe o que é mais interessante? Essas mesmas elites, que atacam Paulo Freire, compram metodologias de instituições renomadas de outros países que usaram as ideias freirianas para formular suas propostas.

Na outra ponta, as camadas menos privilegiadas, estão tendo que matricular seus filhos em escolas públicas tradicionais ou militarizadas em diversas regiões do país, onde são obrigados a bater continência para policiais que estão na função de professores (e confundem com frequência os papéis), são obrigados a usar o mesmo corte de cabelo ou amarrá-lo (no caso das meninas), sem espaço para diálogo ou interação (inclusive sob pena de advertência ou expulsão), em carteiras enfileiradas, nas quais deve permanecer para terem seu comportamento padronizado (ou ‘domesticado’, como alguns deles gostam de chamar).

É por isso que os extremistas, cujas pautas sempre são benéficas às elites, são defensores ferrenhos da militarização das escolas. Eles querem que os filhos das camadas mais pobres não aprendam a refletir sobre o mundo em que vivem e nem questionem a realidade onde estão inseridos.

Esconder a verdade para ocultar o fracasso

Esse desprezo à liberdade e ao conhecimento soma-se a outro aspecto do bolsonarismo: a criação constante de inimigos e teorias da conspiração como estratégia de mobilização.

Bolsonaro e os extremistas que o apoiam tentam enganar as pessoas para que acreditem que Paulo Freire seria o responsável por todos os males da educação brasileira, mas isso não tem absolutamente nenhum cabimento porque o educador não produziu um “manual de instruções” a ser seguido e aplicado pelos governantes.

O fato é que suas propostas e teorias podem ou não ser aplicadas. Só que no Brasil, historicamente, não foram plenamente efetivadas justamente porque a educação nunca foi a prioridade da maioria dos políticos (justamente por aquele caráter libertador da educação que as elites temem, como citamos anteriormente).

Só que para atacar Paulo Freire, os extremistas costumam citar a posição do Brasil na avaliação internacional PISA. Eles, inclusive, espalham a mentira de que o Brasil ocuparia o último lugar na América Latina e no mundo. Só que eles escondem que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, aprovada em 1996), a estrutura da educação pública brasileira é composta por educação básica e a educação superior.

Cada ente é responsável por um segmento específico. A educação básica é formada por educação infantil e ensino fundamental (que são responsabilidades dos municípios) e ensino médio (que é responsabilidade dos estados). Portanto, se lembrarmos que a imensa maioria dos estados e dos municípios foram e são governados por políticos dos mais diferentes partidos, principalmente do centro e da direita, é o suficiente para desmontar qualquer tese de que Paulo Freire seria responsável pelos problemas educacionais do Brasil.

Isso significa que os principais culpados são os políticos que não acreditam na educação como fonte de superação dos problemas sociais.

Já o ensino superior público (tão atacado por extremistas) é está sob responsabilidade dos estados e da União (Governo Federal), sendo que as universidades públicas federais e estaduais lideram todos os rankings de qualidade no Brasil e na América Latina. E não só isso. O renomado QS World University Rankings, inclusive, elencou 33 cursos de universidades públicas brasileiras entre os 100 melhores do mundo.

E embora as propostas de Paulo Freire nunca tenham sido efetivamente aplicadas em larga escala no Brasil, é inquestionável que parte de suas propostas tenha sido aplicada no combate ao analfabetismo. E os resultados são impactantes: a taxa de pessoas analfabetas acima de 14 anos caiu de 25,5% na década de 1980 para 6,6% em 2019.

Se o Brasil quiser avançar nos aspectos educacionais, é óbvio que o Brasil precisa ampliar o acesso à educação pública de qualidade. E isso demanda priorização, investimento e uma visão de educação como instrumento de libertação, autonomia e desenvolvimento econômico e social.

Mas o governo de Jair Bolsonaro tem piorado a situação, reduzindo os investimentos na área para o menor patamar da década e o da ciência para o menor deste século. Além disso, o ProUni e Fies foram sucateados. E o Enem, além de ter seu menor número de inscritos na história, também sofreu uma redução de 77% nas inscrições de estudantes mais pobres, que precisam de isenção da taxa de inscrição.

Diante de todos esses fatos, explica-se porque o governo de Jair Bolsonaro espalha tantas fake news para convencer alguns que um pensador reconhecido e respeitado mundialmente, e falecido em 1997, seria o responsável pelos problemas atuais da educação no Brasil.

Fonte: APUB

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