O financiamento da educação universal e de qualidade

Publicado em 17 de setembro de 2013 às 10h14min

Tag(s): Artigo



O financiamento da educação universal e de qualidade: Para Além do petróleo e das vinculações constitucionais


Por Gil Vicente Reis de Figueiredo, Professor Associado 4 da Universidade Federal de São Carlos. 5 de setembro de 2013

1. Introdução

No mês de julho deste ano de 2013 publiquei texto intitulado “O financiamento da Educação Universal e de Qualidade: propostas para a CONAE 2014” (ver bibliografia) no qual, com o objetivo de elevar a destinação de recursos para a educação, indiquei as seguintes fontes: elevação das vinculações constitucionais (União, DF, Estados e Municípios) e utilização das riquezas advindas da exploração do petróleo e derivados.

Registrei, ao mesmo tempo, que o montante adicional resultante não seria suficiente para alcançar os 10% do PIB anuais, conforme necessário, sugerindo a análise posterior das seguintes alternativas: royalties sobre a exploração mineral; taxação sobre movimentação financeira; taxação sobre transações em bolsas de valores e imposto sobre grandes fortunas – dentre outras.

Neste artigo passaremos, portanto, a discutir concisamente essas possibilidades.

Antes disso, contudo, há que assinalar a necessidade urgente de uma reforma tributária no Brasil. Esse é um debate difícil, pois pressupõe um forte enfrentamento com os detentores de largas parcelas da riqueza nacional – sejam elas provenientes de processos de acumulação comerciais, industriais, agrários ou financeiros – e, dessa forma, o sucesso em alcançar uma incidência mais justa dos tributos depende da construção de uma correlação de forças que assim o permita.

O fato é que, nos dias de hoje, os impostos incidem muito mais sobre o consumo do que sobre a renda, sobrecarregando de forma absolutamente injusta a população mais pobre.

Os números no Brasil são os seguintes (de acordo com a Folha de São Paulo, caderno Mercado, página B7, de 2 de junho de 2013): imposto sobre a renda, 21%; imposto sobre o consumo, 44%; contribuições sociais, 26%; imposto sobre a propriedade, 6%; e outros 3%. Enquanto isso, nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a média do imposto sobre o consumo é 33%. Nos EUA, o perfil é o seguinte: imposto sobre a renda, 44%; imposto sobre o consumo, 18%; contribuições sociais, 23%; propriedade, 12%; outros 3%. No Canadá, a distribuição é similar: imposto sobre a renda, 47%; sobre o consumo, 24%; contribuições sociais, 16%; propriedade, 11% e outros 2%. Isso significa que, no nosso País, cobramos mais do que o dobro de impostos sobre o consumo do que países como os EUA e o Canadá, enquanto que taxamos a renda em menos da metade dos respectivos percentuais.

2. Royalties sobre a exploração mineral

Apresentamos inicialmente uma breve descrição dos valores dos royalties cobrados no Brasil sobre a exploração mineral, bem como uma comparação com o que ocorre em alguns outros países.

Os royalties sobre a exploração mineral, que têm caráter indenizatório (e não tributário, portanto) são previstos no artigo 20 da Constituição Federal de 1988 e regulamentados pela Lei nº 8001, de 13 de março de 1990, que estabelece a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais).

A distribuição da CFEM é a seguinte: aproximadamente 65% para os municípios produtores; 23% para os estados produtores; dos 12% restantes, 2/3 vão para o DPNM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e 1/3, em partes semelhantes, para o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e para FNCT (Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia).

Alguns dos percentuais relativos aos royalties são: ferro, 2%; alumínio, 3%; manganês, 3%; carvão mineral, 2%; ouro, 1%; e pedras preciosas, 0,2% (para maiores detalhes, consultar  http://revistadoispontos.com/trilha-do-minerio/sete-respostas-sobre-royalties-do-minerio/).

Uma comparação com outros países mostra que esses números são excessivamente baixos, constituindo um ponto fora da curva no cenário mundial. De fato, no Canadá, as taxas variam de 3% a 9% da receita bruta e líquida das mineradoras, sendo a diferença estabelecida de acordo com os recursos minerais, o teor da jazida e o retorno do capital. Nos Estados Unidos, a variação vai de 5% a 12,5% da receita bruta das empresas, dependendo do mineral e do tipo de propriedade; vale a pena mencionar que 50% os recursos vão para o município produtor, 40% para os cofres do governo federal e 10% são destinados a ‘Fundos de apoio’ a povos indígenas. Já na Austrália, o país que mais produz minério de ferro no mundo, em 2012 houve um reajuste nos royalties, que hoje equivalem a 30% do lucro bruto das mineradoras.

Registre-se que está em discussão no Congresso Nacional um novo Código de Mineração (ver detalhes na matéria http://oglobo.globo.com/economia/estados-travam-disputa-bilionaria-por-minerios-8703271, de 15 de junho de 2013), cujo teor consta de Projeto de Lei enviado pelo Governo; segundo a proposta, será elevada a alíquota da maior parte dos minérios – os royalties sobre o minério de ferro, por exemplo, subiriam de 2% para 4%. Se aprovado esse PL a CFEM iria de R$ 1,8 bilhões, que foi o montante apurado em 2012, para R$ 4 bilhões. Ou seja, o valor arrecadado subiria dos atuais 0,05% do PIB para 0,1% do PIB.

Essa elevação é, além de tardia, muito tímida, pois por padrões internacionais a CFEM deveria subir para percentuais que dessem um retorno da ordem de 0,25% do PIB, anualmente. Essa demanda pode – e deve – partir da sociedade civil, com proposta de que o valor adicional (em relação à arrecadação atual) de 0,2% do PIB seja destinado à educação, como sugere o Documento Referência da CONAE 2014.

3. Taxação sobre movimentação financeira

A CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) foi extinta em 2007. Nesse ano, rendeu 36,5 bilhões, o que equivaleu a quase 1,4% do PIB daquele ano, que foi de 2,7 trilhões. Sua reinstituição poderia render às áreas sociais – saúde e educação – percentual similar do PIB.

4.Taxação sobre transações em bolsas de valores

A taxação de movimentação financeira na Bolsa de Valores e das grandes fortunas pode (e na minha opinião, deve) deve ser retomada, como bandeira.

O volume negociado na BOVESPA em 2012 foi de R$ 1,78 trilhões.

Uma taxação de 0,5%, que corresponderia a valor idêntico ao da corretagem cobrada pela própria BOVESPA, renderia 8,9 bilhões / ano, o que ultrapassaria 0,2% do PIB – valores esses que poderiam ser destinados à educação.

 5. Imposto sobre grandes fortunas

O Imposto sobre Grandes Fortunas foi inserido na Constituição Federal (CF) de 1988, à custa de acirrados debates. A CF, entretanto, apenas autoriza o Governo a cobrar esse Imposto (Artigo 153, inciso VII), prevendo que uma lei complementar com o objetivo de regulamentar a sua cobrança – o que jamais foi feito.

Várias iniciativas têm sido tomadas no Congresso Nacional nesse sentido. Uma delas é o Projeto de Lei Complementar nº 48/2011, da Câmara dos Deputados, que possibilitaria arrecadação avaliada em R$ 12,88 bilhões de reais / ano, segundo matéria publicada pelo Conselho Nacional da Saúde (ver bibliografia), ou seja, aproximadamente 0,3% do PIB, montante esse que poderia ser, mais uma vez, destinado às áreas sociais. De acordo com essa matéria, mais de 70% dessa arrecadação viria de fortunas superiores a R$ 115 milhões.

6. Conclusão

O texto acima mostra que, somando-se os itens analisados, chegar-se-ia a um valor superior a 2% do PIB, anualmente, a serem destinados às áreas sociais. Os recursos advindos do petróleo e derivados (ver bibliografia) renderiam outros 2% do PIB e a elevação dos recursos vinculados à educação, 1,15% do PIB (idem).

É assim perfeitamente possível, nos próximos anos, dotar o País de uma educação universal, pública, de qualidade e acessível a todos, elevando-se também consideravelmente, ao mesmo tempo, a destinação de recursos para a saúde.

Para isso, será necessário que a sociedade se mobilize fortemente – só assim os privilégios hoje existentes irão ceder lugar a uma nova ordem menos desigual.

7. Referências

- FIGUEIREDO, G.V.R. Reforma universitária e o financiamento público das IFES. Caminhos, n. 23/24, p. 51-92, Belo Horizonte, 2005.

- FIGUEIREDO, G.V.R., Educação Universal e de Qualidade, um Projeto para o Brasil, 2010. Disponível em http://proifes.org.br/educacao-universal-e-de-qualidade-um-projeto-para-o-brasil/artigo-pne-gil-08-fev-10/ Acesso em 01 de julho de 2013.

- FIGUEIREDO, G.V.R., Todos os recursos do Fundo Social para a educação até 2020, de 21 de janeiro de 2013. Disponível em http://proifes.org.br/artigo-todos-os-recursos-do-fundo-social-para-a-educacao-ate-2020/ Acesso em 01 de julho de 2013. Publicado também, em junho de 2013, na revista Histedbr.

- FIGUEIREDO, G.V.R., O financiamento da Educação Universal e de Qualidade: propostas para a CONAE 2014. Disponível em  http://proifes.org.br/wp-content/uploads/2013/09/Financiamento-da-Educa%C3%A7%C3%A3o-Propostas-para-a-CONAE-2014.pdf Acesso em 06 de setembro de 2013.

- Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010. Lei № 10.172/01. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm Acesso em 02 de janeiro de 2010.

- CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, Financiamento da saúde: grandes fortunas podem trazer contribuição social. Documento publicado no dia 8 de agosto de 2012. Disponível em  http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2012/08_ago_financiamento_grandes_fortunas.html Acesso em 02 de setembro de 2013.

ADURN Sindicato
84 3211 9236 [email protected]