Tonelli: A judicialização da política não é um problema jurídico, mas político

Publicado em 27 de maio de 2015 às 08h02min

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Com a afirmativa de que a política não pode ser coisa para especialistas, a advogada Maria Luíza Tonelli, mestre e doutora em Filosofia pela USP, expôs à Comunidade Acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como a judicialização da política tem engessado o exercício da democracia.

 

O debate aconteceu na noite desta terça-feira, 26 de maio, no auditório da Escola de Música da UFRN, e reuniu professores, estudantes, funcionários e a sociedade geral em torno da discussão do empoderamento do sistema judiciário e consequente judicialização da política, da soberania popular e do descrédito com a política.

Para Tonelli, a liberdade de expressão e o direito de manifestação da opinião sobre os assuntos da política dizem respeito a um direito de todos exatamente porque a política é de interesse de todos, independente de conhecimentos técnicos. “Desde a antiguidade grega, a democracia não pode ser coisa de especialistas”.

O perigo da judicialização da política, segundo Maria Luíza Tonelli, é a despolitização da própria política, transformando-a em coisa para especialistas. “Tudo passa a ser relacionado ao Direito. Pior: ao direito penal. Tudo passa a ser abordado pela ótica do Direito, tudo é avaliado pela perspectiva jurídica”.

Para Maria Luíza, o processo de judicialização da política faz parte do projeto neoliberal de deslegitimar a política e promover a hegemonia do poder judiciário. Dessa forma, ressurge com força total o discurso da moral para tudo avaliar em termos de política. Um discurso que muitas vezes nada tem a ver com a ética.

“Assim, num contexto em que o jurídico domina a cena política, muita gente que não tem conhecimento jurídico, ao opinar sobre o que desconhece legalmente acaba por fazer um julgamento moral, ou seja, nem político, nem jurídico”, explica a filósofa.

Tonelli avalia que o perigo maior da judicialização da política, que não é um problema jurídico, mas essencialmente político. “E desapossar o povo de seu lugar soberano e transformar a democracia numa juristocracia. Nada mais totalitário”.

Para a filósofa, a judicialização da política é um problema político com várias causas, mas o principal é de caráter social. É nesses meio que o fenômeno encontra condições favoráveis à sua ocorrência. “Vivemos em uma sociedade hierarquizada e, em muitos aspectos, autoritária. Nossa cultura política ainda tem resquícios de conservadorismo. O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão. Passamos pela mais longa das ditaduras da América Latina. Não é por acaso que a sociedade brasileira se esconde por trás do mito da democracia racial e nem se escandaliza com as torturas ainda hoje praticadas nas delegacias e nas prisões”, destaca.

Em uma sociedade com tais raízes, avalia Maria Luíza, fica fácil convencer as pessoas de que a solução para os problemas pode ser encontrada nos tribunais, já que a política é desacreditada.

Maria Luíza analisa ainda como a parcela conservadora da sociedade e dos meios de comunicação discutem política sob a ótica restrita dos princípios éticos e morais, levantando unicamente esta bandeira e, consequentemente, deixando de lado ou impedindo o verdadeiro debate em torno de projetos, estruturas de poder e políticas públicas que poderiam fortalecer a democracia. “O debate sobre a política, reduzida ao problema da corrupção como questão exclusivamente moral, e não política, dá margem aos discursos demagógicos e à hipocrisia”, aponta.

Segundo a filósofa, o “problema não é a defesa da ética na política, mas esta última avaliada com critérios exclusivamente morais. Há uma diferença entre a moral e a ética. Agir de forma estritamente moral exige apenas certo grau de obediência; agir eticamente exige pensamento crítico e responsabilidade. Obviamente que a política deve ser avaliada pelo critério moral; ela não é independente da moral dos homens e da ética pública, mas há critérios que são puramente políticos. (...) Daí que o critério da moral não pode ser o único, pois a moral nos diz o que não fazer, não o que fazer. Por isso, a moral pode ser utilizada por setores conservadores e pela mídia para paralisar a política, tanto para impedir o debate de temas polêmicos no Parlamento, como para satanizar o adversário, transformando-o em inimigo a ser eliminado”, frisa.

Debates na UFRN

O debate é uma iniciativa do ADURN-Sindicato e integra um conjunto de discussões sobre questões políticas e sociais fundamentais que dizem respeito ao conjunto da sociedade e não apenas aos especialistas que hoje as discutem.

O objetivo é de mobilizar a Universidade em torno da necessidade de fazer com que a participação popular seja cada vez mais estimulada no país. Para o conjunto da diretoria do Sindicato, o momento de ofensiva antidemocrática requer a discussão sobre a importância do fortalecimento da democracia e da realização de reformas estruturais.

ADURN Sindicato
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