Decisão histórica: UFRGS revoga títulos dos ex-presidentes ditadores Costa e Silva e Médici

Publicado em 23 de agosto de 2022 às 11h13min

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Títulos de honoris causa concedidos pela Universidade nos anos 67 e 70 foram anulados pelo Consun na última sexta (19)

 

"O governo desses presidentes-ditadores teve consequências na própria Ufrgs: só aqui foram expurgados 41 professores em 1964 e 1969, sem contar os estudantes", recorda professora que integra coletivo que encaminhou pedido de revogação - Foto: Guilherme Santos/Sul21

O Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiu, na última sexta-feira (19), pela revogação dos títulos de Honoris Causa concedidos a Costa e Silva (1967) e Médici (1970), ambos ditadores do período militar. Foram 48 votos favoráveis e apenas um contrário. Como o Consun é o órgão máximo da universidade, a decisão é definitiva e já está valendo. Com a decisão histórica, a UFRGS se soma aos Conselhos Superiores da UFRJ e UNICAMP que já tomaram decisões semelhantes. 

“A importância dessa iniciativa é que as decisões tomadas em tempos obscuros, sem liberdade de opinião e sob coação possam ser revistas para que a justiça seja feita e os danos reparados, ainda que apenas simbolicamente”, destaca a professora e integrante do Coletivo Memória e Luta, Patricia Reuillard. 
 
O Coletivo foi responsável por encaminhar o pedido de revogação desses dois títulos. O debate sobre o tema vem acontecendo desde janeiro de 2021, quando o grupo executou o Projeto de Extensão Memória: 50 anos dos Expurgos na UFRGS.

“O objetivo do coletivo ao entrar com essa ação foi justamente causar uma reflexão na universidade sobre o período da ditadura. Recuperando um pouco da autonomia universitária, os direitos humanos e um pouco a democracia interna da universidade. A universidade é um espaço de atuação, reflexão, de constituição, ciência e que ele precisa então ter muita liberdade de expressão”, afirma a professora Regina Célia Lima Xavier, também integrante do Coletivo.

Regina e Patrícia destacam que durante o período da ditadura foram expurgados mais de 40 professores na universidade. “O governo desses presidentes-ditadores teve consequências na própria UFRGS: só aqui foram expurgados 41 professores em 1964 e 1969, sem contar os estudantes. Além disso, conforme o relatório da Comissão Nacional da Verdade, eles foram responsáveis por mortes, torturas, desaparecimentos e violações dos direitos humanos e, portanto, não merecem receber um título que significa ter se distinguido na atuação em prol do desenvolvimento da universidade, do progresso, das ciências, das letras e das artes", expõe Patrícia. 

Conforme destaca Regina, os títulos Honoris Causa são concedidos a personalidades que contribuíram com a ciência do país, o que não foi o caso dos governos militares. “Pensar a revogação dos militares é fazer justiça. O nosso dossiê, que somamos ao pedido, demonstra cabalmente através de uma pesquisa ampla e documentada os crimes do governo militar, os crimes políticos, desaparecimentos, torturas, etc. Recuperar essa memória é uma forma de construir relações mais democráticas e mais justas na universidade e por extensão na própria sociedade."

Composto por professores de várias unidades, o Coletivo Memória e Luta da UFRGS busca resgatar a memória da universidade. Em janeiro deste ano, enviou uma carta ao Conselho recomendando a ação. O documento destaca que "um posicionamento desta grandeza restitui aos Conselhos máximos dessas universidades o seu caráter autônomo, democrático e humanista. As condições de intimidação do período de concessão desses títulos, os mais sombrios da ditadura, são evidências do quanto nossas e nossos colegas tiveram que se submeter a atos tão constrangedores".

A carta foi acompanhada por um dossiê feita por diversos professores. “(…) Este dossiê fornece subsídios históricos suficientes para reconhecer que as práticas antidemocráticas perpetradas pelas presidências dos generais Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici tiveram um brutal impacto sobre a sociedade brasileira nas mais diversas esferas, imprimindo um passado de traumas e dores cujas consequências são colhidas ainda hoje nos mais diversos âmbitos da vida, e que também perpassam o cotidiano educativo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul”, destaca o documento.

Até a presente data, somente duas universidades revogaram títulos honoríficos a personagens da ditadura civil-militar de 1964-1985: a UFRJ, a Emílio Garrastazu Médici (concessão em 1972 e revogação em dezembro de 2020, a pedido da comissão da verdade local) e Jarbas Passarinho (concessão em 1973 e revogação em abril de 2021, a pedido do DCE), e a UNICAMP, também a Jarbas Passarinho (concessão em 1973, enquanto era Ministro da Educação, e revogação em setembro de 2021, a pedido do sindicato docente, ADUNICAMP).

Pelas redes sociais e site institucional, a Seção Sindical do ANDES-SN na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Assufrgs – Sindicato dos Técnico-administrativos da UFRGS destacaram o momento histórico. 

“A UFRGS se junta aos Conselhos Superiores da UFRJ e UNICAMP, que já tomaram decisões semelhantes, e conclama as demais universidades brasileiras a construírem esse processo de reparação. A submissão e concessão de honrarias a ditadores é incompatível com a natureza científica, autônoma democrática e humanista da Universidade. Ditadura Nunca Mais!”, destaca o ANDES.

“O dia 19 de agosto marca a vitória no processo de reparação histórica. O convite ainda se estende a demais universidades do Brasil para realizarem esse processo. A academia é um espaço de debate democrático, homenagear ditadores que perseguiram professores e servidores não dialoga com este lugar. Ditadura Nunca Mais!”, frisa Assufrgs. 

Em janeiro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao reitor da UFRGS que as honrarias concedidas a ditadores fossem cassadas, como recomendou a Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, publicado em 2014. A recomendação foi assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão no RS, Enrico Rodrigues de Freitas.

Coletivo promove exposição e debate sobre Os Expurgos na UFRGS


Foto: Divulgação

O Coletivo Memória e Luta, que reúne docentes da UFRGS, promove, entre os dias 22 a 26 de agosto, no Campus do Vale, diversas atividades sobre o tema dos expurgos de docentes ocorridos nos anos 1960. 

Nesta segunda-feira (22), às 12h, foi inaugurada a exposição Os Expurgos na UFRGS, no Solarium do Instituto de Letras. A mostra, composta por 18 aquarelas do professor da Faculdade de Arquitetura José Carlos Freitas Lemos retrata de forma impactante os processos movidos na UFRGS e o contexto sociopolítico que se vivia nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil e no mundo.

A visitação pode ser feita, até quinta, das 9h às 17h, ou na sexta (26), das 9h às 12h. Haverá, ainda, exibição de vídeos com entrevistas e depoimentos de professores expurgados. “São entrevistas inéditas. Tem uma grande importância para gente”, destaca Regina

Na quarta-feira (24), a professora de História Carla Rodeghero apresentará a palestra “A ditadura aconteceu aqui também”. Logo após, será relançado o livro Os expurgos da UFRGS: Memória e História. Além de resgatar a memória da UFRGS nos anos da ditadura empresarial-militar, a publicação conta a história do projeto. O livro terá distribuição gratuita.

“O período dos expurgos foi um período muito obscuro justamente porque toda forma de reflexão foi cerceada, nós tivemos expurgados professores, uma intelectualidade muito importante no RS”, afirma Regina. A professora explica que a exposição circula pelos campus da universidade. Ela já foi realizada duas vezes no Campus do Centro e também no Campus do Vale. 

“Tem o objetivo de trazer para a comunidade acadêmica que é pouco conhecida. Mesmo da comunidade interna da UFRGS poucos dos nossos, estudantes, professores, funcionários tem informações mais detalhadas sobre aquilo que aconteceu. Trazer a exposição, fazê-la circular dentro da universidade é uma forma também de fazer justiça a esses professores que foram perseguidos, expulsos, que teve um peso enorme em suas vidas. Fazer a exposição, lançar o livro, o documentário é também dar um retorno a esses professores, para seus filhos, netos e um pouco, fazer a justiça necessária”, finaliza. 

 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

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