Wellington Duarte: É hora de a esquerda deixar de ser ausente

Publicado em 17 de fevereiro de 2023 às 09h53min

Tag(s): Opinião



 Meu cacoete de professor volta e meia faz o que detesto: sugerir nome de livros para as pessoas lerem. Acho tosco e desnecessário, principalmente se for feito de forma pedante, como se tivéssemos o conhecimento de toda humanidade, diante de meros mortais. Mas farei o que detesto. Farei sim.

O filósofo marxista italiano Domenico Losurdo, falecido em 2018, um teórico que os seus admiradores chamavam de “marxista inconformado” ou “marxista heterodoxo”, escreveu vários trabalhos, mas destaco um que ele publicizou em 2015, “A Esquerda Ausente”, uma análise espetacular sobre a trajetória da esquerda, não poupando críticas àquelas que se dobraram ao capitalismo, particularmente as esquerdas da Europa ocidental, mas sem desconsiderar o ambiente nocivo em que essas esquerdas sucumbiram.

Para as nossas esquerdas, hoje contaminadas pela passividade ou esquizofrenia, seria de bom alvitre uma leitura atenta desse marxista, que coloca um fio condutor marcante que é a luta nacional como expressão da luta de classes contemporânea, sob a pauta da soberania nacional, a autodeterminação e o desenvolvimento econômico e tecnológico autônomo, base para o atendimento das demandas democráticas e sociais de uma nova ordem social. E o que as nossas esquerdas pautam nas suas lutas políticas hoje em dia?

O afrouxamento ideológico que se verificou ao longo das décadas envenenou as esquerdas tem como consequência o afastamento dos trabalhadores, e quando falo de trabalhadores chego à conclusão de que nem as esquerdas têm a percepção do que vem a ser trabalhador, olhado não do ponto de vista do “mercado de trabalho”, mas a partir da sua condição de classe. Nossas esquerdas, em nome das necessárias alianças, tendem a se curvar aos interesses das nossas repugnantes elites.

Não! Não é um libelo à extrema-esquerda, que assume sua pequenez política com uma fraseologia rebuscada e insossa, repetindo de forma mecânica, frases de Marx, Lenin e até de Trotsky, como mantras políticos. Essa extrema-esquerda, chafurdenta mas inócua, está no seu gueto e lá se refestela com sua mediocridade política. Qual o projeto de nação desses pequenos e barulhentos grupos? Portanto, estão fora da discussão.

Voltemos nossas baterias para a esquerda que quase foi varrida do parlamento em 2018 e continuou pequena em 2022, e que no primeiro mês de um governo que está longe de ser de esquerda e se aproxima muito mais do centro, às vezes escorregando para a direita, afia as garras, exigindo que Lula se comporte mais como um Imperador do que como o presidente de um sistema chamado de “presidencialismo de coalizão”. Essa “esquerda impaciente” não vislumbra o cenário, mas sim suas “históricas reivindicações”, afinal está no poder. Está mesmo?

Quem deveria ler esse brilhante trabalho de Losurdo? Sei lá! Quem sou eu para sugerir leitura para caciques do partido hegemônico ou até do pequeno e aguerrido defensor do marxismo-leninismo, adaptado às condições brasileiras? Eu apenas acho que as esquerdas deveriam voltar a ler, a estudar, a debater, a dialogar, a entender, a compreender. Saber analisar o ambiente para poder ir, de fato, ao encontro dos trabalhadores, sabendo dialogar com eles.

Ninguém desconhece que o pensamento da chamada esquerda, que vai além do marxismo, vem atravessando uma longa crise, pra mim desde a década de 90, e a pauta social-democrata submergiu principalmente depois da eclosão da nova crise do sistema, em 2008, e que não foi debelada até hoje, e o abandono da análise marxista foi uma das saídas que parte da esquerda preferiu optar. O efeito está aí.

Mas…a esquerda está ausente?

Fonte: Saiba Mais

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