A Reforma Tributária que não é a melhor, mas será ela a ser implementada

Publicado em 08 de novembro de 2023 às 15h44min

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Uma Reforma Tributária não é uma mera mudança de impostos. Ela, na verdade, mostra o quanto o Estado está disposto a distribuir a riqueza gerada na arrecadação. E no caso do Brasil, uma federação, significa um complexo mosaico de interesses em função dos diferentes graus de desenvolvimento das regiões. E vai mais além: a Reforma Tributária  afeta diretamente a vida dos quase 11 milhões de servidores públicos (ativos e aposentados), já que a União, estados e municípios remuneram esses servidores a partir da arrecadação.

Falemos um pouco, de maneira geral e simplificada, o que vem a ser esta Reforma Tributária.

A principal mudança com a reforma será a extinção de cinco tributos, que juntos representaram quase 38% da arrecadação em 2021. 

Segundo a proposta, esses cinco tributos já existentes serão substituídos por dois: o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que reunirá os impostos federais PIS, Cofins e IPI; e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que contará com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), um  tributo estadual, e o ISS (Imposto sobre Serviços), um tributo municipal. É uma lógica do que se chama imposto sobre valor adicionado.

No modelo do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) os impostos não são cumulativos ao longo da cadeia de produção de um item. Exemplo: quando o comerciante compra um sapato da fábrica ele paga imposto somente sobre o valor que foi agregado na fábrica. Não paga, por exemplo, imposto sobre a matéria-prima que deu origem ao sapato – a fábrica já terá pago quando adquiriu o material do produtor rural.

A alíquota desse imposto será regulamentada, mas o governo defende que seja 27,5%, o que estaria dentro dos marcos atuais da carga tributária, que é em torno de 33,5% (2022). Além disso, os impostos passarão a ser cobrados no destino final, onde o bem ou serviço será consumido e não mais na origem. Isso contribuirá para combater a chamada "guerra fiscal", nome dado à disputa entre os estados para que empresas se instalem em seus territórios.

A implementação será feita até 2033, sendo que em 2026 será implementada uma “alíquota teste” de 0,9% para o CBS (IVA federal) e 0,1% para o IBS (IVA estadual-municipal). Em 2027 o PIS e COFINS desaparecerão e a CBS entrará em vigor, mas será mantida a alíquota de 0,1% para o IBS; entre 2029 e 2032 haverá a redução das alíquotas do ICMS e ISS e a elevação gradual do IBS.

Ainda em 2027 o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) será extinto, sendo substituído pela CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para manter a competitividade da ZFM (Zona Franca de Manaus).

Na PEC há uma série de elementos que buscam dá um sentido mais social à proposta:

  • Ela propõe a criação de uma cesta nacional básica de alimentos, cujo CBS e IBS serão zerados e uma lei complementar vai definir os “produtos destinados à alimentação humana” que vão compor a cesta;
  • Eduardo Braga (MDB-AM) acrescentou uma cesta básica estendida, com alimentos além da CNBA, que terão alíquotas reduzidas em 60%:
  • Prevê ainda o corte de 60% de tributos para 13 setores. Na prática, isso estabelece que a alíquota a ser cobrada será equivalente a 40% do IBS (IVA estadual e municipal) e do CBS (IVA federal). Os setores contemplados são: (1) serviços de educação; (2) serviços de saúde; (3) dispositivos médicos, incluindo fórmulas nutricionais: (4) dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência; (5) medicamentos; (6) produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; (7) serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semi-urbano e metropolitano; (8) alimentos destinados ao consumo humano e sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes; (9) produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda; (10) produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; (11) insumos agropecuários e aquícolas; (12) produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional; (13) bens e serviços relacionados a soberania e segurança.

Além disso, Eduardo incluiu a possibilidade de reduzir as alíquotas cobradas na prestação de serviços de profissionais autônomos. De acordo com o texto, uma lei complementar deverá estabelecer os beneficiados. O corte da cobrança será de 30% e até a produção de hidrogênio verde poderá ter regime fiscal diferenciado. A manutenção desses benefícios deverá ser reavaliada a cada 5 anos.

E as famosas isenções:  

A PEC transfere essa responsabilidade para lei complementar, mas já há uma discussão sobre quais produtos seriam isentos, tais como: (1) serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviários e metroviários de caráter urbano, semi-urbano e metropolitano; (2) dispositivos médicos: (3) dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência; (4) medicamentos; (5) produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; (6) produtos hortícolas, frutas e ovos; (7) aquisição de medicamentos e dispositivos médicos pela administração pública e entidades de assistência social; (8) automóveis de passageiros comprados por pessoas com deficiência e pessoas com transtorno do espectro autista, e por motoristas profissionais que destinem o automóvel à utilização na categoria de aluguel (táxi).

Mas nem todos os produtos serão tratados igualmente. Alguns deles deverão receber um “tratamento diferenciado”, com mudanças na base de cálculo. Estão em discussão os seguintes produtos: (1) combustíveis e lubrificantes; (2) serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (como as loterias); (3) cooperativas; (4) serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, bares, agências de viagens e turismo, restaurantes e aviação regional; (5) missões diplomáticas e representações de organismos internacionais; (6) serviços de saneamento e concessão de rodovias; (7) serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviários intermunicipais e interestaduais, ferroviários, hidroviários e aéreos; (8) operações que envolvam a disponibilidade da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações; e (9) atividades esportivas desenvolvidas por Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs).

Também será criado um Imposto Seletivo sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas e cigarros. O objetivo será desestimular o consumo desse tipo de produto.

E a renda e o patrimônio?

1 - Haverá IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) para jatinhos, iates e lanchas. Pelo sistema atual, esses veículos não pagam o tributo. O texto permite a cobrança do imposto nos estados e prevê a possibilidade de o imposto ser progressivo em razão do impacto ambiental do veículo. A PEC traz exceções. Uma delas impede a cobrança do IPVA sobre aeronaves utilizadas em serviços agrícolas, protegendo o setor do agronegócio.

2 - Tributação progressiva sobre heranças. O texto também estabelece uma cobrança progressiva do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) em razão do valor da herança ou da doação. A cobrança será feita no domicílio da pessoa falecida. A medida tem o objetivo de impedir que os herdeiros busquem locais com tributações menores para processar o inventário.

A proposta também cria regras para que seja permitida a cobrança sobre heranças no exterior. 

O parecer de Braga prevê que o ITCMD não seja cobrado sobre doações para instituições sem fins lucrativos, “com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos”. A vergonhosa isenção de impostos sobre entidades religiosas, templos de qualquer culto e entidades assistenciais/beneficentes vinculadas a entidades religiosas.

E como gerir toda essa mudança?

Foi criado um Comitê Gestor responsável pela divisão correta do IBS, sem ingerência política (sic). Sendo que o presidente será eleito pelo Senado, o que não deixa de ser uma contradição.

A PEC prevê a criação do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), com recursos transferidos pela União para estimular a atividade produtiva, investimentos em infraestrutura, inovação e conservação do meio ambiente.

Esses recursos começariam com R$8 bilhões anuais em 2029, chegando a R$40 bilhões em 2033, ficando assim até 2043, quando passará a ser de R$60 bilhões.

E a distribuição do FNDR? A proposta do relator é de que 70% dos recursos sejam distribuídos tendo como base nos critérios definidos no Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 30% serão distribuídos com base na população.

Se a proposta for aprovada, e provavelmente será, o Brasil começará um longo caminho para tornar a forma de arrecadação e distribuição da riqueza mais eficiente. Mas não será, como diz Haddad, um momento em que “todos ganharão”. Na economia não existe “jogo de soma zero” e continuaremos a ver a luta de classes presente.

Wellington Duarte,
Economista, professor do Departamento de Economia da UFRN.

ADURN Sindicato
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