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Porque o PROIFES decidiu assinar o acordo com o Governo

Publicado em 06 de agosto de 2012 às 10h31min

Prof. Dr. Eduardo Rolim de Oliveira*
Dedico este texto à memória do professor Fernando Antônio Sampaio de Amorim, Vice-Presidente do PROIFES-Federação, que tanto queria ver este acordo assinado, mas que tragicamente o perdeu por menos de vinte e quatro horas. “Por ti eu assinei aquele papel, amigo e companheiro!
O PROIFES-Federação é uma entidade sindical de caráter nacional que nasceu em 2004, como uma reação dos professores universitários do Brasil, que concluíram, após um período muito difícil de sua situação salarial e da penúria pela qual passava a Universidade Pública, que era necessária a construção de uma entidade que os representasse, não apenas de direito, mas
de fato. Entidade que fosse capaz de ser propositiva, que defendesse os interesses da categoria, e não os interesses privados, de outra ordem.
O PROIFES nasceu da base dos professores, de forma legítima e democraticamente constituído, e rapidamente angariou o respeito dos professores, da Universidade e do conjunto do Movimento Sindical brasileiro, e se afirmou, pouco a pouco, como uma referência representativa dos docentes.
Participou da negociação que criou a Classe de Professor Associado em 2006, que mitigou um represamento de progressão para os professores doutores da Universidade, que há mais de 20 anos estavam presos no topo da Carreira. Em 2007, assinou sozinho o acordo para o Magistério Superior (MS), que nos três anos seguintes recuperou os salários dos professores, nos melhores patamares em duas décadas, e mais que isso, recuperou a paridade entre ativos e aposentados, reivindicação de 10 anos dos professores aposentados.
Em 2008, assinou a criação da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), fazendo a inédita equiparação entre os professores do Ensino de 1º e 2º graus com os do Magistério Superior, algo que parecia utópico. Já em 2011, compreendendo os limites da ação sindical, assinou, novamente respaldado por ampla consulta nacional direta, acordo emergencial no qual além de reajuste de 4%, houve a incorporação da última gratificação que tínhamos no contracheque. Só isso já mostra o quão representativa é a entidade, que há 8 anos é quem representa na prática os docentes brasileiros, e quem defende seus salários e suas Carreiras, tão atacados antes de sua fundação.
O PROIFES entende que sua participação nas mesas de negociação se pauta pelos princípios da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que define o direito da negociação coletiva para os servidores públicos, que determina igualmente boas práticas sindicais. O PROIFES acredita que uma negociação tem etapas necessárias: de apresentação de propostas, de debates e de aceitação de propostas, quando chega-se, após o diálogo entre as partes, a acordos, onde ambas as partes concordam. Sabe-se muito bem, pelas boas experiências de negociação, que um acordo não reflete necessariamente a posição inicial de nenhuma das partes, mas a um avanço de posições, onde ambas as partes têm que ceder, sob pena de impasse insolúvel. Não se negociam princípios, porém é importante que os negociadores sejam capazes de compreender a correlação de forças, e a conjuntura política, econômica e social do momento, onde os que apostam na solução dos conflitos buscam no espaço do possível a realização dos processos de negociação, e os que apostam no impasse permanente, aferram se cega e surdamente apenas em princípios, para de forma fácil, não avançar.
O atual processo negocial começou em setembro de 2011, onde as entidades representativas e o PROIFES em especial, apresentaram suas propostas de reestruturação de Carreira, que foram debatidas até o final do ano, e prosseguiriam em 2012, mas foram interrompidas, seja pelo trágico falecimento do negociador do Governo, seja pelas mudanças internas nos ministérios ou seja por uma injustificável demora do Governo em apresentar sua proposta, o que só acabou fazendo em julho, ainda que o prazo pactuado para o fim do processo fosse 31 de maio. O PROIFES, já transformado em Federação nacional de Sindicatos desde janeiro, agindo em conformidade ao princípio da boa fé a da Convenção 151 da OIT, avaliou que a passagem do fim do prazo sem proposta do Governo caracterizava o rompimento unilateral das negociações e indicou a seus sindicatos federados o início de greves a partir de 12 de junho, em uma atitude legal e legítima. O ponto principal da pauta era a retomada da negociação, o que foi finalmente atendido, com a proposta de 13 de julho. Essa proposta, ainda que trouxesse princípios defendidos pelo PROIFES-Federação; como a manutenção de classes, o que é importante na vida acadêmica e preserva os direitos dos aposentados e a existência de duas Carreiras equiparadas; tinha uma série de pontos que a tornavam inaceitável, e isso fez com que o PROIFES-Federação buscasse, pela via da negociação, avanços que permitissem que a proposta do Governo pudesse ser considerada pelo conjunto da Categoria. Assim, o PROIFEs-Federação apresentou ao Governo 15 pontos que modificariam a proposta em questões relacionadas às Carreiras, como a remoção das barreiras de progressão , evitando retrocessos ao que temos hoje; a eliminação da restrição de vagas para promoção para a Classe de Titular, que ao passar a integrar as Carreiras traz uma revolução de mais de 40 anos na estrutura das mesmas, em mudança que finalmente encerra a Reforma de 68; a garantia da manutenção da autonomia universitária na definição de regras de progressão; correção das distorções ocorridas quando da criação de professor associado no MS e na progressão D1 a D3 no EBTT; criação de programas de capacitação docente para permitir a titulação de professores das redes de MS e de EBTT e o estímulo à implantação de programas de pós-graduação específicos para a realidade e vocação dos Institutos Federais.
Nas questões referentes aos valores das tabelas anunciadas, o PROIFES-Federação exigiu que se corrigisse os valores propostos, de forma que nenhum docente tivesse perda do poder aquisitivo de seus salários em março de 2015, em relação ao que recebiam em julho de 2010, notadamente os professores com mestrado, e professores em regime de trabalho de 20h e 40h. Para tanto, calculamos o valor da inflação projetada em 2015 como sendo 24,71%, no período de julho 2010 a março de 2015 (tomando-se como base o ICV/DIEESE de julho de 2010 a maio de 2012 e mais as projeções de mercado para o período que vai até março de 2015), descontado o reajuste de 4% que recebemos em março de 2012, chegando-se ao pleito de reajuste mínimo de 25% para todos os professores, em março de 2015, o que mantém os salários com poder aquisitivo igual ou superior àquele de julho de 2010, o maior desde o Plano Real.
O Governo, foi sensível a estes pleitos, e apostando também em solução negociada para o conflito estabelecido, apresentou às entidades em 24 de julho, proposta que contemplava os 15 pontos que o PROIFES-Federação apresentara, e desta forma, melhorou substancialmente sua proposta, garantindo reajustes maiores, e concedidos mais cedo, aos docentes, no mínimo de 25% em 2015, além de aceitar no debate do Termo de Acordo, que a mesma forma de cálculo das perdas fosse adotada nas parcelas de 2013, com 13% e de 2014, com 19% de reajuste em relação aos valores de hoje, o que fará com que já em 2013 todos os docentes tenham recuperado as perdas de 2011 e 2012, recuperando o poder de compra de 2010. A proposta, além disso, não ataca mais os princípios de autonomia universitária, e além disso, retrocede em todas as novas barreiras de progressão anteriormente propostas, mantendo a equiparação entre MS e EBTT, sem contudo impor regras idênticas de progressão, prejudiciais aos professores de EBTT. Só não avançou ma quebra da ideia de “Carreira Única”, que o PROIFES-Federação há muito demonstrou como prejudicial, no que se refere ao interstício de 24 meses para progressão em ambas as Carreiras. De forma a buscar evitar prejuízos, criou-se regras de transição para a primeira progressão no EBTT que manterá os 18 meses, e na exigência de cumprimento de estágio probatório para a progressão acelerada, o que não será exigido para os atuais professores. Finalmente, acordou-se a criação de um Grupo de Trabalho (GT) a partir de setembro, onde serão debatidos temas de enorme relevância, como a transição de 18 para 24 meses, o re-enquadramento dos adjuntos aposentados, as condições da expansão das IFES com qualidade e, de forma inédita, o Governo abrirá aos sindicatos o debate sobre regras de progressão, o que sempre fez de forma unilateral, por decreto ou portaria.
Por tudo isso, e por entender que era responsabilidade de uma direção séria, o Conselho Deliberativo do PROIFES-Federação, sua instância máxima, indicou ao conjunto da Categoria que votasse pela aceitação da proposta, pela assinatura de acordo e pelo encerramento da Greve. Essa consulta aos professores não tem absolutamente nada a ver com “uma pesquisa na Internet”, como afirmado pelos detratores de novas forma de aferição da vontade majoritária real dos professores, e repercutida na mídia.
O que o PROIFES-Federação trouxe de inovação ao Movimento Sindical é a combinação de vários processos de construção das decisões, que passam por debates presenciais, por assembleias de forma clássica e igualmente por consulta plebiscitária direta, que pode ser em urna, ou utilizando os novos meios de informação, como a internet e as redes sociais. Não se pode achar que só são válidos os processos que são tradicionalmente aplicados e igualmente não se pode achar que sua substituição por novos meios é em si melhor. O que se trata é de se buscar formas de aferir a real representatividade da decisão, pois ninguém pode ignorar o fenômeno de fuga dos professores das assembleias, por vários fatores, como desinteresse ou despolitização, mas também pela violência de pequenos grupos organizados, que na maior parte das vezes são minoritários e representam extratos desprezíveis no espectro político brasileiro. Esses grupos, aos poucos foram tomando de assalto os espaços outrora democráticos e por todos frequentados, o que foi levando ao esvaziamento destes, fenômeno que levou ao concomitante enfraquecimento do Movimento Docente nos anos 90, que induziu a que os professores buscassem um Novo Movimento Docente, e criassem o PROIFES em 2004. A mídia talvez desconhecesse isso até hoje, até pelo desprezo ao movimento sindical, mas o PROIFES-Federação já consolidou a tradição de consultar os professores de forma direta, não é a primeira e nem a segunda vez que isso ocorre, E é muito interessante de ver que desta vez, até por considerarem ilógico e irresponsável que suas entidades desprezassem a proposta do Governo, professores do país inteiro procurassem o PROIFES-Federação para expressar sua opinião, e a Consulta foi realizada em 43 instituições, 36 universidades e 7 institutos federais, em um total de 5255 professores, que seriam muito mais se mais tempo houvesse. Destes 3864 (74%) disseram que o PROIFES-Federação deveria assinar o acordo.
Por isso assinamos o Termo de Acordo 01/2012. Mas não foi apenas a decisão de conjunto mais do que representativo de nossa base, onde essa posição não foi majoritária apenas em dois sindicatos. O que realmente fez com que indicássemos à base essa aceitação foi a leitura que fizemos da realidade econômica e social do Brasil e do mundo nesta metade de 2012.
Estamos acompanhando com muita atenção os desdobramentos da crise internacional, que não nos parece simples. Observa-se pela primeira vez em décadas a queda do crescimento na China, observa-se o ataque brutal aos salários e aos empregos na Europa, à queda do preço das commodities, da não recuperação, como esperado, da economia norte-americana. Sabemos bem da realidade brasileira e temos consciência de que muito poucos sindicatos, sejam de trabalhadores públicos ou provados, obterão, como obtivemos neste acordo, aumentos reais em 2013. Temos consciência de que os demais servidores estão com salários defasados e com eles somos solidários, e muito trabalhamos politicamente para que os técnicos administrativos das IFES tenham uma proposta que recupere seus salários.
Por tudo isso, e pela avaliação da força do nosso movimento entendemos que era hora de vencer esta etapa, encerrar a Greve e assinar um acordo. Sem com isso abrir mão dos nossos princípios, e sem deixar de continuar lutando pelos interesses dos professores, como sempre fizemos. O GT que abre em setembro é apenas a primeira parte disso. Esperamos que o conjunto dos professores, que se reunirá nas assembleias para deliberar sobre o fim da Greve compreendam essa posição, que para nós foi construída de forma séria e na tentativa de melhor representá-los.
Finalmente quero comentar o fato de aceitar em acordo de três anos, onde aposta-se em obter ganhos em cenário incerto. Duas leituras podem ser feitas, a primeira é a de que apostamos é em nossa própria capacidade de luta, de ter certeza de que se poderá sempre voltar à luta se os dados macroeconômicos se degradarem, mas em segundo lugar, ter a certeza de que se isso necessário for, o será feito em patamares mais elevados, o que permitirá discutir mais conquistas, e não apenas reagir a conquista nenhuma, o que também pode ocorrer em uma negociação a cada ano. É uma espécie de seguro, onde se paga para não se perder tudo, se algum sinistro ocorrer. E também é uma visão moderna, normal em países onde a negociação coletiva é praxe, buscar-se acordos de médio e longo prazo, que deem conta das questões econômicas prementes, para permitir que os sindicatos tenham fôlego para debates estruturantes, de caráter estratégicos.
Brasília, 5 de agosto de 2012.
* Eduardo Rolim de Oliveira, é Professor Associado III do Departamento de Química Orgânica do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Farmacoquímica pela Université Paris XI e é Presidente da Federação de Sindicatos de Instituições Federais de Ensino Superior (PROIFES-Federação).
 


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