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Todos os recursos do Fundo Social para a educação até 2020

Publicado em 31 de janeiro de 2013 às 11h19min

Por Gil Vicente*
O Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado pela Câmara dos Deputados e atualmente em debate no Senado (PLC 103/2010) prevê que, até 2020, seja destinada à educação brasileira parcela equivalente a 10% do Produto Interno Bruto do Brasil.
Como, no ano de 2011, esse aporte foi de aproximadamente 5%, é preciso debater de que outras fontes proviriam os restantes 5%.
Uma dessas fontes poderia ter como origem os recursos provenientes da exploração do petróleo, do gás natural de outros hidrocarbonetos fluídos existentes no território nacional, que, com muita probabilidade, passarão a dar receitas substantivas à União nas próximas décadas, em especial como consequência da extração das riquezas da chamada camada do ‘pré-sal’.
A distribuição dos recursos financeiros gerados dessa forma tem sido regulamentada, nas últimas décadas, através de legislação que fixa as respectivas destinações, com destaque para a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 (ver o Anexo II a este documento), para a Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010 (ver o Anexo III a este documento) e, recentemente, para a Medida Provisória nº 592, de 3 de dezembro de 2012. Em particular, aí são fixados os montantes a serem destinados ao FS – ‘Fundo Social’ (ver o Anexo IV a este documento), a serem canalizados para a educação, a cultura, o esporte, a saúde pública, a ciência e tecnologia, o meio ambiente e atividades de adaptação às mudanças climáticas.
É fundamental, de início, fazer uma avaliação da ordem de grandeza dos recursos que estarão sendo aportados ao FS no ano de 2020, ainda que com a óbvia margem de incerteza decorrente de flutuações das variáveis essenciais durante esse largo período; do contrário, dificilmente será possível traçar uma política de financiamento para a educação na próxima década.
Não há, portanto, nenhuma pretensão de precisão absoluta nos números que serão apresentados a seguir, a partir da suposição de que o preço do barril de barril de petróleo, medido como percentual do PIB brasileiro, se mantenha relativamente constante nos próximos anos.
É claro que intervirão na correção (ou não) dessa estimativa um conjunto de fatores, dentre outros: a trajetória do preço do barril do petróleo (em dólares); a evolução do câmbio dólar x real; e o crescimento anual do PIB.
Adotaremos, para fins de cálculo, os seguintes parâmetros: preço do barril em US$ 110[1] (28 dez 2012); câmbio de 1 US$ = R$ 2,04 (28 dez 2012); e PIB de R$ 4,4 trilhões (previsão para 2012). Além disso, suporemos que a produção adicional dos campos do pré-real, em 2020, estará próxima das previsões oficiais[2] e será, assim, algo em torno de 4 milhões de barris de petróleo[3] diários em regime de partilha e outros 2,1 milhões em regime de concessão.
Contratos de partilha: recursos para o FS em 2020.
A partir desses pressupostos a produção anual em 2020, pelo regime de partilha, seria próxima de 7,45% do PIB brasileiro[4].
A lei 12.351, contudo, não define de forma precisa qual é a parte do chamado ‘excedente em óleo’ que caberá ao Estado brasileiro, ou seja, qual é o percentual que lhe é devido do valor que representar o lucro líquido da exploração do pré-sal. De fato, segundo o Art.10 dessa mesma lei, caberá ao Ministério de Minas e Energia (MME) propor ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) um percentual mínimo, cabendo ao processo licitatório (Art.18) ‘identificar a proposta mais vantajosa’[5].
Na verdade, o estabelecimento de critérios para cálculo do ‘excedente em óleo’ não é tarefa simples, e, de uma forma geral, a tendência mundial majoritária é a adoção de percentuais progressivos e flexíveis, de forma a garantir a eficiência, a viabilidade e a estabilidade do regime de partilha[6]. Essa flexibilidade se refere à capacidade de adequação a um conjunto de situações pouco previsíveis e eventualmente voláteis, como a instabilidade dos preços do petróleo, a oscilação do câmbio ou as variações nos custos de produção. Em outras palavras, o regime é flexível quando o aumento/declínio da lucratividade gera um aumento/declínio da parcela governamental, respectivamente.
O usual é adotar-se ‘escalas móveis’ (‘sliding scales’ na literatura em inglês), que levem em conta uma ou diversas dentre as seguintes variáveis: volume de produção; fator “R” (razão entre a receita acumulada e a despesa acumulada); taxa de retorno ou preço do barril.
A partir dessas considerações, é de se esperar que o percentual do ‘excedente em óleo’ de propriedade da União venha a se elevar paulatinamente ao longo dos próximos anos.
Uma estimativa plausível, a partir da experiência mundial (como a de Angola, por exemplo), é que esse percentual alcance, já em 2020, algo em torno dos 60% do ‘excedente em óleo’, o que poderia significar 40% do valor total da produção; isso equivaleria a cerca de 3% do PIB[7]. Esse montante, pela Lei 12.351, Art.49, inciso III, iria para o FS.
Já os royalties dos contratos em regime de partilha, fixados em 15%, corresponderiam em 2020 a um valor aproximado de 1,12% do PIB[8], dos quais, de acordo com a MP 592, Art. 1º, uma parcela de 22% relativa à parte da União – ou seja, 0,25% do PIB – iria também para o FS.
Dessa maneira, uma estimativa do aporte orçamentário para o FS em 2020 – conforme proveniente dos novos contratos de partilha – seria de 3,25% do PIB.
Contratos de concessão: recursos para o FS em 2020.
Os royalties e participações especiais de contratos de concessão já firmados que irão para o FS referem-se aos provenientes da exploração do pré-sal (Lei 12.351, Art.49, inciso IV) e, em conformidade com as perspectivas aqui apresentados, serão aproximadamente de 0,08% do PIB[9], em 2020. O Art.48, o Art.49 e o Art.50, § 2º, da Lei 9.478 preveem que seja destinado em torno de 1/3 desse montante à União, ou seja, um pouco menos de 0,03% do PIB. Esses recursos também irão para o FS – a vigorar a MP 592 (de acordo com seu Art. 2º, que reformula o Art.50-A da Lei 9.478).
Em resumo, confirmadas as estimativas acima, os repasses ao FS em 2020 serão da ordem de 3,3% do PIB.
Destinação exclusiva à educação.
A MP 592 (Art. 2º) determina que as receitas de que tratam os artigos 48-A, 49-A e 50, § 5º, da Lei 9.478 sejam exclusivamente destinadas à educação. Esses valores concernem royalties e participações especiais relativos a contratos de concessão assinados a partir de 3 de dezembro de 2012 e, por conseguinte, não se referirão a áreas do pré-sal, em respeito à Lei 12.531.
Imaginando que todas as atuais áreas fora do pré-sal (1,8 milhões de barris/dia) venham a ser leiloadas novamente à iniciativa privada sob o regime de concessão, teríamos um volume de royalties e participações especiais da ordem de 0,6% do PIB[10]. Em 2020, dos royalties[11], 20% irão para a União; e das participações especiais[12], 46%. Ou seja, na melhor das hipóteses a destinação de recursos para a educação, por essa via, alcançará em 2020 o patamar de 0,2% do PIB.
Além desses 0,2% do PIB, a MP 592 prevê, em seu Art.1º, que “Do total a que se refere o caput do Art.51 (da Lei 12.351) auferido pelo FS, cinquenta por cento deve ser aplicado obrigatoriamente em programas e projetos direcionados ao desenvolvimento da educação, na forma do regulamento”. Qual a ordem de grandeza dessa destinação? Para responder essa pergunta, vale lembrar inicialmente que o ‘caput’ do Art.51 da Lei 12.351 diz que “Os recursos do FS para aplicação (…) deverão ser os resultantes do retorno sobre o capital”. Mais ainda, o Art.50 da mesma Lei postula, em seu Parágrafo Único, que a política de investimentos e aplicações do FS deverá ser direcionada “a ativos no exterior, com a finalidade de mitigar a volatilidade de renda e de preços na economia nacional”. E qual é o rendimento que se deve esperar desse tipo de aplicação? Possíveis ‘ativos’ a considerar seriam os Títulos do Tesouro dos EUA; em meados deste ano de 2012, seu rendimento estava em um mínimo histórico: menos de 2% em 10 anos[13].
Para avaliar a possível destinação de recursos para a educação, basta ver que, se os recursos destinados ao FS fossem capitalizados entre 2013 e 2020, ao final desse último ano aí estariam, no máximo, perto de 16% do PIB. Um rendimento de 2% em 10 anos, calculado sobre esse capital, daria retorno anual de 0,03% do PIB; e, de acordo com a MP 592, metade disso, ou 0,015% do PIB, iria para a educação.
Conclusão: pela legislação – vigente e proposta – a quantidade de recursos do pré-sal prevista para destinação à educação em 2020 equivalerá no máximo a 0,22% do PIB e, assim, irrisória frente ao adicional necessário de 5%, conforme previsto pelo PNE.
Proposta para a próxima década: todos os recursos do FS para a educação
A análise acima mostra, de maneira clara, que nem a Lei 12.351 nem a MP 592 garantem, ainda que longinquamente, aporte de recursos suficientes para que se alcance no nosso País, no médio prazo, uma educação universal e primorosa para todos.
Por outro lado, o IBGE prevê que, em poucas décadas, a quantidade de crianças e jovens irá declinar de forma progressiva e acentuada: os brasileiros de 3 anos ou menos, que hoje são mais de 13 milhões, somarão, em 2050, menos de 7 milhões[14].
Ainda segundo o IBGE, haverá uma rápida inversão da pirâmide etária ao longo desse período, de forma que, mais à frente, os desafios mais agudos se deslocarão para a área da saúde e previdenciária, dentre outras. Logo, a hora inadiável de investir decididamente em educação é agora. Com isso, estaremos garantindo, em algum tempo mais, o acesso – pleno e com qualidade – da maioria da população a todos os níveis escolares.
A partir de 2020 abrir-se-á espaço para a capitalização crescente do FS, o que seguramente será necessário para enfrentar as múltiplas problemáticas decorrentes da elevação significativa da idade média dos brasileiros, mais adiante.
No atual momento, pois, a única proposta razoável é que o Poder Executivo lance mão do parágrafo único do Art. 51 da Lei 12.351, que abre espaço para o “uso de percentual de recursos do principal para a aplicação nas finalidades previstas no art. 47, na etapa inicial de formação de poupança do fundo”. Esse percentual terá que alcançar quase a integralidade do FS, nos anos vindouros, com a aplicação de um valor próximo da totalidade dos depósitos dessa poupança em educação – resguardados naturalmente os (pequenos) quantitativos a serem reservados para os Ministérios da Ciência e Tecnologia, Minas e Energia, Meio Ambiente e Marinha, conforme previsto na legislação atual.
Chegaríamos assim a 2020, mantida a destinação exclusiva prevista na MP 592, com algo próximo a 8,5% do PIB para a educação; mesmo nesse caso, ainda teriam que ser encontradas fontes suplementares; reconheça-se, contudo, que parte importante dos aportes adicionais necessários estaria equacionada.
A utilização do FS com a finalidade que aqui propomos trará frutos da máxima relevância, não só para o desenvolvimento cultural, científico, tecnológico e econômico do País, mas, sobretudo, para a elevação do grau de equidade social, essencial a um Brasil mais justo e cidadão.
Notas de Rodapé
1 Consultar http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2012/12/28/barril-do-brent-fecha-em-baixa-de-016.jhtm (acesso: 30 dez 2012).
2 Consultar http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/06/06/producao-de-petroleo-no-brasil-deve-atingir-6-1-milhoes-de-barris-em-2020 (acesso: 30 dez 2012).
3 Levaremos em consideração neste trabalho apenas a produção de petróleo (e não a de outros hidrocarbonetos, gás natural, etc.).
4 Uma produção de 4 bilhões de barris diários corresponde a 1,46 bilhões barris/ano. Ao preço de mercado de US$ 110 dólares o barril, o valor desse óleo daria US$ 161 bilhões ou R$ 328 bilhões, ou seja, aproximadamente 7,45% do PIB.
5 Consultar ’O novo marco regulatório para a exploração do pré-sal’, http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/19982/19982.PDF (acesso em 30 dez2012).
6 Consultar ‘Sucesso do pré-sal depende de regime fiscal adotado’, http://www.conjur.com.br/2011-abr-06/sucesso-pre-sal-depende-regime-fiscalcontratos-partilha#autores (acesso em 30 dez 2012).
7 40% de 7,45% do PIB.
8 Ou seja, 15% de 7,45% do PIB.
9 São produzidos hoje cerca de 200 mil barris diários na área do pré sal, com valor anualizado um pouco superior a R$ 16 bi, ou seja, 0,37% do PIB. Desse total, perto de uma quinta parte vai para royalties e participações especiais, isto é, 0,08% do PIB.
10 O volume de royalties e participações especiais seria da ordem de um sexto do valor de mercado de uma produção de 1,8 milhões barris/dia – quase 0,6% do PIB.
11 O percentual de 20% é o determinado pelos Art.48-A e 49-Ada Lei 9.478, conforme os Anexo I e II nela inseridos pela MP 592.
12 O percentual de 46% é o determinado (para 2020), pelo Art.50, §5o , conforme o Anexo III nela inserido pela MP 592.
13 Consultar http://www.infomoney.com.br/mercados/noticia/2451257/rendimento-titulos-tesouro-dos-eua-recua-para-minima-historica.
14 IBGE,2008, Diretoria de Pesquisas – DPE, Coordenação de População e Indicadores Sociais – COPIS. Projeção da População do Brasil por sexo e idade para o período 1980-2050 – Revisão 2008. Metodologia e Resultados. Brasília, 2008.
*Gil Vicente é professor da Universidade Federal de São Carlos-SP e ex-presidente do PROIFES-Federação
Acesse aqui artigo com anexos disponíveis.


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