“Precisamos superar nossa formação extensionista e nos reinventarmos dialógicos”, afirma Grasiele Nespoli durante Centenário Paulo Freire realizado na UFRN

Publicado em 16 de setembro de 2021 às 21h36min

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O segundo dia de atividades do “Centenário Paulo Freire: contribuições para a formação nos cursos da área da Saúde'' teve início com a conferência “Extensão ou Comunicação? O controle social na definição das prioridades em saúde”, ministrada pela psicóloga e sanitarista da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Grasiele Nespoli.

Grasiele amparou a sua fala na obra freiriana “Extensão ou Comunicação?”, classificada pela palestrante como “pequena, mas de muita grandeza”. Ao final da conferência mediada por Ana Beatriz Venâncio (UFRN), a convidada trouxe, ainda, um relato de sua experiência junto à população do Complexo da Maré; espaço situado na Zone Norte do Rio de Janeiro e que abriga mais de 16 comunidades e 140 mil habitantes.

Na referida obra, Freire problematiza as noções de extensão e de comunicação, defendendo o argumento de que o “comunicar” contempla o Outro de modo dialógico, sem a intenção de substituir o conhecimento desse sujeito – no caso, dos camponeses – por aquele oriundo da ciência aplicada dos agrônomos. Para o educador, o “estender” algo a alguém, por sua vez, “coisifica, objetifica” o Outro. Como bem explicou Nespoli, o conceito de extensão não corresponde, portanto, a um “fazer educativo, libertador”; em vez disso, “nega a ação àqueles que são objetos das ações”.

Ao referir-se ao entendimento de Educação Popular e ao papel do educador, Grasiele afirma ser necessário atenção para que o choque de ideias não ocupe o espaço do diálogo. Citando Freire, a palestrante destaca que “a tarefa do educador, então, é a de problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo, como se se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado”.

Tendo exposto as ideias centrais da obra “Extensão ou Comunicação?”, a convidada destacou que comunicar é, pois, “coparticipar no ato de pensar, pensar em conjunto, em torno de algo comum”. Logo em seguida, dedicou-se a problematizar o controle social como forma de participação no processo de definição das prioridades da saúde. Nespoli citou, dentre outros exemplos, o caso do Sistema Único de Saúde (SUS), que teve as suas bases discutidas em coparticipação durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, e que é, hoje, referência para o mundo.

Desde 1990, com a Lei 8142, a participação comunitária se dá via conselhos e conferências de saúde, e desde então, para Grasiele, “a participação comunitária vem sendo inscrita, em grande parte, como controle social”. A palestrante reiterou a essencialidade desse tipo de conferência, que “promove importantes análises, reúne importantes atores sociais, abre espaço para o diálogo e para a construção de políticas públicas de saúde”, e tratou, ainda, das limitações existentes: “a despeito dos avanços que possibilitam no campo das políticas de saúde, é preciso refletir sobre seus limites como espaços de participação social, especialmente quando o controle social assume um caráter extensionista [...], de controle do Estado sobre a sociedade”.

Grasiele seguiu com a sua reflexão questionando sobre o que prevalece no controle social, se “uma perspectiva dialógica ou antidialógica, comunicativa ou extensionista?”. E sintetizou a reposta afirmando que no Brasil, “a participação social continua limitada à realidade de uma democracia marcada pela ideologia liberal e apoiada em bases patriarcais e conservadoras, alinhadas aos interesses do capital, que são, obviamente, contrários ao direito à saúde e à educação como prática de liberdade, como pedagogia do oprimido e não do opressor”.

Encerrando a sua participação, a psicóloga e sanitarista alertou que “é contra essa forma de democracia, a serviço da classe burguesa e fundada na ética do mercado e do opressor, que as ideias de Paulo Freire nos convocam a pensar formas de romper os limites impostos à participação social, resgatando a inseparabilidade entre o plano político e a vida humana.”

A fala de Grasiele Nespoli, assim como todas as demais conferências ocorridas ao longo desses dois dias de programação podem ser acessadas, na íntegra, no canal do YouTube do ADURN-Sindicato.

O evento realizado, remotamente, pelo Departamento de Odontologia da UFRN segue até o final da tarde de amanhã (17). Veja aqui a programação do terceiro e último dia do “Centenário Paulo Freire: contribuições para a formação nos cursos da área da Saúde''.

Assista no vídeo abaixo a conferência completa:

 

ADURN Sindicato
84 3211 9236 [email protected]