A farsa do Grupo de Trabalho (GT) e o golpe da Reforma Administrativa na Câmara dos Deputados

Publicado em 08 de outubro de 2025 às 14h30min

Tag(s): Artigo Reforma Administrativa



Ao discutir a proposta de “Reforma Administrativa” anunciada em maio de 2025 pelo presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Motta (Republicanos/PB), é necessário que seja observada, além do conteúdo proposto e seus objetivos, também a forma como caminha, o que, nesse momento específico, tem muita importância.

O Grupo de Trabalho (GT)

Inicialmente é importante lembrar que em algumas situações é possível a instalação de Grupos de Trabalho (GT) na Câmara dos Deputados, com objetivos de aperfeiçoar os processos legislativos e administrativos, ou de elaboração de Consolidação das Leis, sendo esse último o único previsto no Regimento Interno da Câmara e sem prazo definido.

Para os casos de aperfeiçoamento de processos legislativos e administrativos a presidência e outros órgãos da Câmara dos Deputados podem criar grupos de trabalho temporários, com possibilidade de prorrogação de prazo, se necessário.

Em ambos os casos de grupos de trabalho, com ou sem prazos definidos, os resultados dos trabalhos precisam serem revertidos em propostas concretas, como projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição, que, após tramitarem e, se aprovadas, possam gerar alteração na legislação.

Na atual legislatura, a 57ª, foram encerrados 8 GTs, sendo vários sem conclusão ou relatório:

Comitê Gestor e Distribuição da Receita do IBS;

Digitalização e Desburocratização;

Minirreforma Eleitoral;

Política de Combate à Violência nas Escolas Brasileiras;

Regulamentação da Reforma Tributária PLP 68, de 2024;

Regulamentação das Redes Sociais;

Sistema Tributário Nacional (PEC 45/19);

Revisão Legal da Exploração de Portos e de Instalações Portuárias).

 

Outro 3 Grupos de Trabalho estão em funcionamento:

Consolidação da Legislação Brasileira;

Proteção da Legislação Brasileira;

Reforma administrativa.

O GT da Reforma Administrativa

Objetivo (oficial)

Discutir e elaborar proposição legislativa que vise ao aperfeiçoamento da Administração Pública.

Composição

18 deputados indicados, sendo 1 por partido. Coordenador: deputado Pedro Paulo (PSD/RJ).

Prazo para a conclusão dos trabalhos (oficial)

45 (quarenta e cinco) dias, contados da publicação do Ato de instituição do GT, prorrogáveis por ato da Presidência da Câmara (30 de maio de 2025).

As reuniões e decisões do GT

Desde a instalação do GT, segundo dados publicados na página do GT na Câmara dos Deputados, foram realizadas 7 (sete) reuniões do grupo, ouvidos 46 (quarenta e seis) convidados, sem, no entanto, haver nenhuma proposta votada pelo Grupo de Trabalho, como pode ser visto abaixo.

As discussões que não ocorreram

Segundo parlamentares do campo democrático e progressista que compõem o GT, em nenhum momento houve apresentação de documentos elaborados ou em elaboração pelo GT para apreciação, nem mesmo para debate ou discussão sobre qualquer ponto anunciado publicamente pelo coordenador.

Audiências públicas

O coordenador do GT alega terem sido realizadas 17 (dezessete) audiências públicas, enquanto constam apenas 7 (sete) nos registros públicos na página do GT na Câmara dos Deputados. Ainda que tenham sido realizadas audiência públicas externas, essas, se realizadas em nome do Grupo Trabalho, deveriam estar registradas na página da Câmara dos Deputados na Internet, para conhecimento público.

Contribuições de entidades

Em declaração feita em sua apresentação quando da realização da única Comissão Geral sobre a reforma administrativa realizada no plenário da Câmara dos Deputados, em 3 de setembro último, o deputado coordenador do Grupo de Trabalho afirmou ter recebido “mais de 200 (duzentas) contribuições de diversas entidades, que estariam contempladas no texto apresentado”. Aqui mais informações que não se confirmam. Segundo os dados disponíveis na página do GT na Câmara dos Deputados, foram recebidos pelo grupo 26 (vinte e seis) expedientes, todos por e-mail. E mesmo que fossem consideradas as 7 (sete) apresentações de palestrantes durante as audiências públicas realizadas na Câmara dos Deputados, o total de contribuições estaria muito aquém das “mais de 200 (duzentas) contribuições” alegadas pelo deputado.

Ainda que, com muito boa vontade, fosse dado o crédito quanto aos dados informados pelo deputado coordenador e considerando que realmente ele teria recebido essas contribuições, fica a questão de porque não as ter tornado públicas e registrado na página do GT na Câmara dos Deputados para conhecimento pela sociedade. Lembrando, mais uma vez, que oficialmente não há “texto apresentado”.

Os verdadeiros autores do que defende o deputado Pedro Paulo

Mesmo tendo apresentado um conjunto de sugestões e proposições, diversas entidades representantes de servidores públicos não viram nenhuma menção que fosse às suas propostas. Nada foi incorporado ao apesentado como proposta do Grupo de Trabalho, nada dito pelo deputado coordenador do GT.

Desde o anúncio da criação do GT, todas as propostas anunciadas como se fossem decisões tomadas são sugestões das seguintes instituições:

Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP);

Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC);

Confederação Nacional da Industria (CNI), FIESP.

Confederação Nacional das Instituições Financeiras – CNF;

Central Brasileira do Setor de Serviços – CEBRASSE;

Confederação Nacional dos Transportes – CNT;

Ranking dos Políticos;

Movimento Brasil Competitivo;

Movimento Pessoas à Frente;

Instituto República;

Fundação Dom Cabral

Não por acaso o mesmo conjunto de instituições que contribuiu para elaboração de propostas de reforma administrativas anteriores.

A ESTRATÉGIA PARA ENCAMINHAR A REFORMA

Algumas contradições/esclarecimentos sobre declarações públicas

– Inicialmente, cabe esclarecer que o deputado Pedro Paulo (PSD/RJ) foi o coordenador do GT (com prazo de conclusão dos trabalhos extinto e não prorrogado) e que o referido parlamentar não é relator de nenhuma proposição em tramitação na Câmara dos Deputados que trate de reforma administrativa, considerando que a inexistência de proposições tramitando naquela Casa legislativa que verse sobre o assunto.

– Em todas as declarações públicas do deputado, seja em eventos ou entrevistas à imprensa, plataformas e outros veículos de comunicação, o deputado Pedro Paulo, que desde o início é sempre o único entre os 18 membros do GT a falar publicamente sobre o assunto, quer seja em eventos ou contatos com a imprensa, se refere às propostas que defende como se já estivessem definidas, como se constassem de alguma proposição legislativa já aprovada e em vigor. É frequente o parlamentar se referir aos pontos propostos como se estivessem no “texto apresentado”. Só que não há nenhum “texto apresentado” até o momento, como pode ser confirmado nos anais da Câmara dos Deputados, não havendo sequer algum relatório votado pelo grupo, muito menos projetos apresentados.

Aa participação da imprensa

Não é difícil observar (e nem é por acaso) que, em todas as publicações (notícias, reportagens ou entrevistas), a imprensa de um modo geral mante a aparência dada pelo deputado de que as decisões já estariam tomadas. Em todas as publicações é dito como se o que diz o deputado já estivesse realmente sido votado pelas duas Casas do Congresso e sancionada pelo Presidente da República ou um novo texto constitucional tivesse sido promulgado pelo Congresso Nacional. A imprensa sequer questiona a inexistência de um relatório dos trabalhos do GT, nem de projetos apresentados.

O Golpe

Tramitação e aprovação

Sobre as proposições legislativas

Ainda que sejam apresentados em nome do Grupo de Trabalho, as três proposições não têm a participação dos demais deputados que participaram do GT, sendo de total responsabilidade do deputado Pedro Paulo e frutos exclusivos de propostas das entidades nacionais dos setores empresariais e do mercado financeiro. A apresentação se deu de forma atabalhoada, sem protocolo forma do relatório, além do registro das três proposições, à pedido do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, que pediu ao coordenador do GT que apresentação fosse acelerada para aproveitar o “momento favorável que a Câmara dos Deputados atravessa” com a aprovação sem votos contra do projeto de lei nº 1087/25, que estendeu a isenção do Imposto de Renda atingindo pessoas que ganham até 5.000,00 reais.

Considerando não haver acordo com o Poder Executivo em relação ao conteúdo, não é difícil deduzir que há grande possibilidade de “aproveitamento” de proposições que já se encontram na Câmara dos Deputados e que não tenham sido votadas em plenário, como a PEC 32/2020, a PEC 423/2018, ou o PLP 409/2014 (Lei da meritocracia), as duas últimas propostas de autoria do deputado Pedro Paulo.

O Golpe

É óbvio que ao serem apresentados projetos tratando de reforma administrativa, com a mobilização e a resistência das representações de servidores públicos, certamente o mesmo tratamento dado à PEC 32, de 2020 seria dado a essa proposta, impondo a paralização da tramitação.

Não há, portanto, por que duvidar da possibilidade de um golpe igual ao ocorrido na tramitação do projeto de lei tratando da anistia aos participantes da tentativa de golpe de Estado e contra o Estado Democrático de Direito, quando o presidente da Câmara dos Deputados obteve a aprovação em plenário de um regime de urgência, que levou aquele projeto a ter autorizada a votação direto em plenário, mesmo não tendo sequer um texto apresentado, sendo posteriormente aproveitado e adaptado sobre o projeto de lei 5064, de 2023, do deputado Marcelo Crivella (Republicanos/RJ).

Nada impede que o mesmo processo seja tentado com a pretensa reforma administrativa, considerando serem majoritariamente os mesmos atores. Lembremos ainda que o presidente da Câmara dos Deputados, empossado há pouco mais de seis meses já declarou querer essa reforma aprovada ainda este ano, a reforma “para chamar de sua”.

Mobilização

Somente a informação, a denúncia dos reais propósitos dos verdadeiros autores de mais essa falsa reforma administrativa. Da mesma forma, é fundamental a divulgação dos efeitos ao conjunto da sociedade, a drástica redução de políticas públicas, das atividades de normatização, fiscalização e controle em áreas estratégicas como produção, importação, exportação e transporte de produtos estratégicos para a saúde e para a economia nacional. Da mesma forma a fiscalização de todas as atividades econômicas, das legislações previdenciárias, trabalhistas, fiscais. Assim como o combate ao desmatamento e a proteção ao meio ambiente e às populações originárias. Também sofreriam graves ataques o financiamento e manutenção das áreas de educação, de atendimento à saúde, da produção de medicamentos e vacinas, da proteção e assistência social, bem como o financiamento e o investimento em pesquisas científicas, produção de estatísticas para análise e acompanhamento do mercado de trabalho, inflação, demografia, entre outros.

Fonte: Notas do Vladimir 

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